Poesia e trauma
por Renato HermsdorffCom O Quarto de Jack, o diretor Lenny Abrahamson (Frank) tinha pela frente um projeto tido por muitos como “inadaptável”: traduzir em imagens as palavras que compõem o romance homônimo escrito por Emma Donoghue – lançado em 2010. O livro conta a história de uma mulher (Brie Larson, de United States of Tara) e seu filho, Jack (Jacob Tremblay), de apenas cinco anos, confiados em um pequeno quarto. Ela foi sequestrada há sete anos, quando tinha apenas 17 e, com a ajuda do menino, elabora um plano para tentar fugir do cativeiro.
O fator complicador? Room (no original) é narrado sob a perspectiva da criança. A solução? Convidar a própria autora para ser roteirista do filme – cuja trama, por sua vez, é levemente inspirada no caso real revelado em 2008 (e que ganhou o noticiário internacional) de uma jovem que foi mantida em cativeiro na Áustria pelo pai (e abusada sexualmente por ele) durante 24 anos, no episódio que ficou conhecido como o Caso Fritzl.
Na tela, o resultado é poético, no primeiro momento – paradoxalmente, o que dá conta do enclausuramento; e de um realismo cortante nos dois terços seguintes (aqui cabe uma longa observação: O Quarto de Jack é o tipo de filme do qual, quanto menos se sabe a respeito do enredo, melhor; por outro lado, impossível discorrer sobre a produção sem seguir adiante na trama, o que não é exatamente um spoiler, uma vez que descobrir o “como” é um ato instigado pelo longa-metragem, mas siga por sua conta), quando a dupla tem que se reposicionar (no caso da mãe) ou conhecer (o que se aplica a Jack) o mundo “lá fora”.
O filme é narrado por Jack com uma verossimilhança incrível, apoiado no ponto de vista fantasioso e inventivo dos diálogos e na atuação cativante do pequeno Tremblay - sintetizado na imagem do céu visto por ele pela primeira vez, não pela claraboia do “quarto”, mas através da trama do tapete que embrulha o garoto no momento da fuga. Ponto, também, para a delicada direção de Abrahamson.
Uma vez de volta ao seio da família, quem brilha é Larson (com uma menção honrosa para Joan Allen no papel da mãe/ avó). Ao contrário do se suporia, quem disse “seus problemas acabaram”, deu de cara na porta. A readaptação é dura e exige da personagem um esforço para o qual ela não estava preparada. Já a atriz, sim. Brie encara com uma honestidade surpreendente o buraco negro do trauma para o qual a
“heroína” é tragada.
Embora cada um dos momentos (cativeiro e "vida real") seja retratado de forma sublime, a desigualdade entre eles na representação do filme é um dos poucos pontos fracos da obra. Na comparação, contraditoriamente, “perde-se” muito tempo fora do quarto, uma vez que, embora você torça fervorosamente para que mãe e filho se livrem daquela situação, o desafio cinematográfico maior se dá (e é vencido) justamente no cubículo que motiva toda a ação. Mas, aí, você já terá se apaixonado por Jack.
Filme visto no 40º Festival Internacional de Cinema de Toronto, em setembro de 2015.