“Poderias tu pescar o Leviatã com linha e anzol? Ou atar-lhe a língua com uma corda?” Essa passagem do livro de Jó é citada no filme e consegue transmitir a fundo o filme Leviatã. Assim como este é tido como um grande monstro marinho no Antigo Testamento no Livro de Jó, neste filme ele pode ser um monstro e até há referências físicas a ele, mas metaforicamente ele consegue mostrar seus tentáculos e se impor perante todos. Aqui o diretor Andrey Zvyagintsev fala da corrupção na Rússia, da Igreja Católica Ortodoxia no mesmo país e se utiliza de planos ótimos, roteiro idem e atores interpretando de forma intensa seus personagens fazendo com que tudo isso misturado se torne uma ótima obra de arte russa.
Kolia (Aleksey Serebryakov) é um homem viúvo, que vive em uma casa perto da praia com seu filho. Ele vive também com uma mulher chamada Lilya (Elena Lyadova). Ele está em litigio com a prefeitura por intermédio do prefeito Vadim (Roman Madianov) por desapropriação de sua casa por causa de uma construção da prefeitura na região. Porém essa construção parece ser algo muito mais do interesse do prefeito do que interesse da prefeitura. De Moscou vem Dmitri (Vladimir Vdovitchenkov) um advogado que o está ajudando na luta contra a prefeitura.
É interessante como o filme começa e termina formando uma rima visual e ao mesmo tempo consegue dar significado ao que irá e foi narrado. A história se inicia com um mar forte, bravo, que parece que joga seus tentáculos sobre as rochas e uma música que se funde com as imagens. A câmera segue com alguns cortes até filmar praticamente o silêncio. Ao final o inverso acontece. Parece que algo violento, um espírito demoníaco caminha até aquele lugarejo e parece que não quer que ninguém o perceba. Fica de fora daquela casa para fitar aquele homem que será comparado a Jó. Esse espírito demoníaco que é o Leviatã traz para aquela região uma representação do quinto pecado: A Inveja. Reparem como alguns personagens que movem o filme parecem estar a mando desse espírito, seja pelo desejo de posses ou a cobiça através do olhar da malícia.
Os planos no filme conseguem fazer analogias com a história do filme. Assim eles fazem referências ao monstro Leviatã em imagens de um animal no mar, ou na ossada ou nos barcos abandonados. Consegue criticar seja de maneira óbvia ou até com uma certa sutileza quando na sala de Vadim, há o retrato de uma pessoa que a câmera, quando nos mostra Vadim parado, filma esse quadro a direita dele. Lembro da expressão: Ele é meu braço direito. Nesta mesma cena Vadim se posiciona de maneira que este mesmo retrato se situe acima de sua cabeça, fazendo um símbolo ou de um monstro de duas cabeças ou a de duas pessoas que se juntam em uma. Uma é semelhante a outra. Consegue através de um movimento de câmera mostrar uma imagem de Jesus que ou parece se recusar a assistir uma conversa ou que ele finge não estar assistindo.
O filme consegue realizar uma crítica contundente em relação ao que se passa na Rússia. Parece que viver na Russia hoje é melhor andar bêbado e não perceber a realidade a nossa volta. A corrupção (que também é vista como um Leviatã) impera e se expande para aqueles que dizem propagar a boa fé. O filme gira sua câmera não só para a política corrupta, mas sim também para Igreja Católica Ortodoxa que está dentro do jogo corrupto e alimenta com suas falsas palavras o povo e massageia o Ego daqueles que estão contribuindo para que ela se mantenha em riquezas. E apesar da conversa entre Kolia e um padre de boa intenção parecer algo que conforta, na verdade para mim é o ponto máximo de uma Igreja que quer seus fiéis como verdadeiros cordeiros. Aceitar como Jó aceitou suas mazelas trazem à tona um conformismo exagerado em que, mesmo Kolia sendo o grande injustiçado, ele deve aceitar tais dilemas. Infelizmente quando não temos mais chão parece que acreditar em algo superior é a única solução. E assim a Igreja conduz não com palavras de Deus mais sim palavras propagadas por falsos homens de Deus, como as que o padre realiza em sua Homilia.
Através de um ótimo roteiro (premiado em Cannes em 2014) somos conduzidos não só pelo diálogo, mas com imagens. Assim o cinema consegue ser o que em sua essência tem que ser. Consegue narrar não só com diálogo. O que o torna muito rico. Soma-se a isso boas interpretações, uma boa fotografia, um design de produção eficiente e uma montagem que não deixa o ritmo cair, formando assim um filme com uma estrutura excelente. Somos muito bem conduzidos pela narrativa e sentimos um cheiro de nossa realidade brasileira.