Vida ordinária
por Lucas SalgadoAlém de dar nome à cidade em que se passa a história, Paterson é também o nome do protagonista vivido por Adam Driver, um pacato motorista de ônibus que gosta de escrever poesias, mas sem a pretensão de ser um grande poeta. Ele vive com a namorada (Golshifteh Farahani) e com o cachorro. Ela é uma jovem que parece não saber muito bem o que quer da vida, embora tenha pretensões artísticas, culinárias e até musicais. Já o animal, está sempre a espera do dono, que o leva para passear quando chega a noite.
Dirigido por Jim Jarmusch, de Estranhos no Paraíso e Flores Partidas, o longa é uma obra sobre rotina e melancolia. Retrata uma semana na vida deste casal, começando numa segunda e terminando na outra segunda. A passagem do tempo é harmoniosa e as transições são sempre parecidas. Começamos cada dia na companhia daquele casal, na intimidade de sua cama.
A poesia do personagem Paterson serve para dar beleza a um ambiente completamente ordinário. O filme insere seu trabalho autoral de forma bem inteligente, jogando as letras da poesia na tela, mostrando ao espectador que há algo especial ali. O problema é que todo o restante da vida do jovem não tem nada de especial. Ele leva uma vida banal, fazendo as mesmas coisas todos os dias e repetindo as mesmas dinâmicas com colegas de trabalho, amigos, namorada e animal de estimação.
Jarmusch trabalha este clima de banalidade de forma tão talentosa que consegue transformar em algo ordinário até momentos que seriam de tensão e ação em outros filmes, como o momento em que um cara puxa uma arma e ameaça a se matar.
O roteiro é muito bem trabalhado e joga contra as certezas do espectador mais experiente. Ele repete uma situação inúmeras vezes. O espectador espera que sempre haverá uma consequência, mas ela nunca chega. O texto, também de Jim Jarmusch, só dá uma escorregada no trecho final, em uma conduta do cachorro que é muito previsível.
Mais conhecido pelo papel de Kylo Ren em Star Wars - O Despertar da Força, Adam Driver comprova mais uma vez o talento dramático visto em Girls e no indie Corações Famintos. Aparentemente inexpressivo, Driver, na verdade, cria um personagem preso numa rotina sem fim, obrigado a viver sempre o mesmo dia. Ele tem na arte a possibilidade de escape, mas é algo tão fora de sua realidade de vida que não consegue ver como uma real alternativa.
Sem final feliz, o filme é uma obra sobre o ordinário, sobre a melancolia. Pessoas melancólicas vivendo realidades melancólicas. E o principal mérito do diretor é fazer justamente o ordinário não parecer chato.
Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2016.