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    O Segredo das Águas
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    O Segredo das Águas

    Forças da natureza

    por Bruno Carmelo

    Em toda a sua carreira, a diretora Naomi Kawase tem trabalhado de modo obsessivo com os mesmos temas: a natureza e a morte, retratadas sob perspectiva realista, poética, metafísica. Kawase confronta os seus personagens à potência da natureza, sublinhando a insignificância humana diante das florestas, das águas e do ar, capazes de criar ou destruir vidas aleatoriamente – já que não existe a noção de destino em seus filmes.

    Após o hermético Hanezu (2011), a cineasta retoma uma história linear e estruturada em O Segredo das Águas. Kaito (Nijirô Murakami) e Kyoko (Jun Yoshinaga) são dois adolescentes confrontados ao mistério da morte: enquanto o garoto descobre um cadáver boiando na praia em Amami Oshima, a garota lida com a perda iminente da mãe, vítima de uma doença incurável. Juntos, eles tentam descobrir o complexo funcionamento da vida através das relações opostas com a natureza: ele tem medo do mar, que considera “vivo demais”, ela manifesta um prazer sensual no contato com o ambiente, buscando se banhar nas mesmas águas onde foi encontrado o cadáver, poucas horas após o acidente.

    As imagens fogem do espetáculo: Kawase retrata os céus nublados, com cores pouco saturadas, em enquadramento simples e móveis. A noção de beleza, neste filme, provém menos de enquadramentos rigorosamente construídos do que da banalidade. Um besouro caindo de uma folha, o sangue escorrendo de um bode morto, os troncos retorcidos de uma árvore antiga são os elementos que interessam ao olhar da cineasta. Para obter este tipo de contemplação, é preciso tempo, o que culmina em uma obra voluntariamente lenta. Assim como a mãe de Kyoko passa seus dias deitada diante de uma árvore, Kawase também acredita que a persistência do olhar é capaz de revelar novos segredos sobre as imagens, sobre as pessoas e os seres vivos em geral.

    Quanto ao aspecto religioso, ele está presente de forma deísta. Não são mencionadas instituições ou representações religiosas, como templos e textos sagrados. A relação entre as pessoas e o transcendental ocorre através da vontade individual de comunicação, sem a necessidade de uma estrutura intermediária. O Segredo das Águas consegue unir o aspecto místico da natureza (sua força inexplicável, sagrada e misteriosa) com o ponto de vista niilista do ser humano. Nenhuma vida vale mais do que a outra, ninguém deixa uma marca indelével no planeta. Todos somos parte de um ciclo, no qual a morte é necessária para que exista o renascimento.

    É louvável que Kawase ainda consiga inserir uma bela discussão sobre o sexo, retratado da maneira mais delicada possível no confronto entre os adolescentes. Paralelamente, as cenas familiares com Kyoko, sua mãe doente (Miyuki Matsuda) e seu pai extrovertido (Tetta Sugimoto) são pérolas do intimismo, pelo olhar respeitoso da câmera, e também pelas atuações excepcionais de Matsuda e Sugimoto. A incrível doçura que emana deste filme é resultado do afeto manifestado por cada personagem em tela. Quem estiver disposto a embarcar nesta experiência sensorial será recompensado com uma obra profunda, interessada ao mesmo tempo nos discursos sensorial e racional – ou seja, nas emoções e na reflexão sobre o papel do ser humano no planeta. Poucos filmes conseguem ser tão arrebatadores e tão complexos em suas ambições.

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