O bom e velho Mel Gibson
por Francisco RussoNuma época nem tão distante assim, os grandes astros do cinema de ação encarnavam facilmente a função de exército de um homem só. Não importa qual era o desafio nem quantos fossem os inimigos, ele - e apenas ele - era mais do que suficiente para liquidá-los sem dó nem piedade. Os anos 1990 vieram e, aos poucos, os brutamontes encarnados por Stallone, Schwarzenegger & cia se tornaram mais humanos, e até mesmo falíveis. O cinema de ação mudou, mais uma vez, de forma a tornar os acontecimentos mais antenados com o mundo real. Só que, desde o sucesso de Os Mercenários, o gênero volta e meia resgata características destes filmes dos anos 1980, que tanto alegraram a molecada da época justamente pelo escapismo e o absurdo. Herança de Sangue, novo trabalho do diretor Jean-Francois Richet, é mais um destes casos.
A história, como de hábito em filmes do tipo, não é muito aprofundada. Um homem vive isolado de quase todos, até receber a súbita ligação de sua filha de 17 anos, em sérios apuros com um traficante. Precisando protegê-la a todo custo, passa a enfrentar uma verdadeira horda que está atrás dela. E é só. O que segura este fiapo de roteiro é seu protagonista: Mel Gibson.
Isolado pelos grandes estúdios de Hollywood desde as malfadadas declarações preconceituosas em relação aos judeus, proferidas uma década atrás, Gibson reaparece no melhor estilo Martin Riggs de ser: olhos esbugalhados, descabelado, barba por fazer e falando sem parar. Seu ar de louco combina com o isolamento vivenciado pelo personagem, aliado à necessidade extrema de proteger a filhota. Carismático como poucos, Gibson faz do tatuador John Link um personagem extremamente familiar, ao público e a si mesmo - e, como tal, o interpreta com extrema desenvoltura.
Infelizmente, pouco de Herança de Sangue está à altura de seu protagonista. Por mais que a direção de Richet seja correta e entregue sequências de ação até bem feitas - e com uma boa dose de sangue -, o uso exagerado de clichês e signos típicos do cinema de ação torna tudo extremamente óbvio. A fragilidade do roteiro vem à tona também em relação a Lydia, a filha interpretada pela insossa Erin Moriarty, sempre com ar meio perdido e desmiolado.
Explorando bastante o artifício da câmera na mão e de uma trilha sonora tensa, Herança de Sangue investe forte no revival para entregar algo "novo". No fim das contas, serve mais para relembrar a competência de Gibson em segurar um filme de maior porte.
Filme visto no 69º Festival de Cannes, em maio de 2016.