'A Grande Aposta' tem sido ovacionado pela crítica dos EUA, foi indicado a vários prêmios, incluindo Melhor Filme no Oscar (algo que nem o bem mais badalado 'Carol' conseguiu). Isso deve-se ao fato de Hollywood adorar usar o cinema para 'reviver' suas tragédias, como uma espécie de auto-crítica. Fora da sua fronteira, entretanto, o filme começou dividindo opiniões. Provavelmente por ter uma temática complexa e um ritmo e montagem muito movimentados, características que normalmente não combinam entre si, uma vez que de certo modo dificultam a absorção do conteúdo e a compreensão dos espectadores. Contudo, a escolha de um diretor e roteirista habituado a (boas) comédias, Adam McKay (como 'O Âncora' ou 'Homem-Formiga'), trouxe uma dinâmica bem interessante, ao mesmo tempo que contém valor histórico factual detalhista, funciona como comédia, os personagens não parecem estar querendo ser engraçados e isso torna o humor do filme bastante natural.
Basicamente, o filme conta três histórias paralelas: Michael Burry (Christian Bale) é um especialista em transações cambiais, muito inteligente e excêntrico (curte rock pesado, tem um olho de vidro e se veste todo largadão no escritório) que acredita que o mercado imobiliário norte-americano está "em cima" de uma bolha prestes a explodir em alguns anos. Por ter autonomia no seu emprego para agir conforme acredita, Michael segue seu "instinto" e começa a ir de banco em banco apostando contra o mercado imobiliário valores altíssimos (centenas de milhões) à espera de um iminente colapso que possa render um retorno financeiro absurdo. Em contrapartida, os bancos concordam desde que sejam proporcionalmente ressarcidos, caso o mercado continue a crescer (e é isso que seus indicadores apontam).
Há filmes que você pode ver sem saber absolutamente nada e gostar, ser surpreendido. Assim como, há filmes que são feitos pensando em um público mais distinto, isso não é novidade alguma e muito menos um defeito dele. Apesar de todos os esforços do diretor para abranger o maior público e apresentar o tema da forma mais descontraída possível - semelhante ao que Scorsese fez em 'O Lobo de Wall Street (2013)' -, podemos dizer que 'A Grande Aposta' se encaixa na segunda categoria, pois para aproveitá-lo por completo, é um filme que requer (mesmo que muito básico) um prévio conhecimento sobre economia, até porque é uma 'dramédia' baseada em fatos reais do ramo.
O filme fala da desregulamentação dos bancos dos EUA lá nos anos 80, que buscava aumentar lucros em uma época de juros baixos. Isso se agravou com a prática de fácil concessão de crédito pós 11 de setembro, para não esfriar a economia nacional após o atentado, principalmente no ramo imobiliário, onde praticamente qualquer um podia comprar uma casa através do mercado 'subprime'. Anos depois, quando os juros começaram a subir para controlar a inflação, para se livrar da óbvia inadimplência (pois os 'subprimes', leia 'os mais pobres', não tinham condições de arcar com seus empréstimos), os bancos repassaram as dívidas para instituições financeiras inclusive no exterior, criando uma grande reação em cadeia, que quando desmoronou teve como consequência a maior crise financeira norte-americana - e por que não global - desde a quebra da Bolsa em 1929.
As outras duas histórias são de Jared Vennett (Ryan Gosling), um banqueiro oportunista, que acima de tudo se considera um investidor e busca lucrar de alguma forma com a idéia de Michael e Mark Baum (Steve Carrell), um homem não muito contente com seu trabalho e sua vida, que começa a sofrer uma crise repentina de "idealismo" e por engano entra na jogada, decidindo se vingar dos bancos por estar farto da corrupção e ganância presente nesse meio. Não percam o raciocínio, mas há ainda uma quarta história, que traz dois jovens investidores que precisam da ajuda de um paranóico - mas que conhece o mercado como poucos - para conseguirem investir mais alto, fazer mais dinheiro. Este obcecado por 'teorias da conspiração' é Ben Rickert (Brad Pitt), que após descobrir que há todo esse engajamento contra o mercado financeiro, se interessa e decide ajudar os dois.
Se você está lendo este parágrafo, há uma boa chance de acabar gostando do filme, pois quem já desistiu nesta breve "sinopse" dos parágrafos acima, não deverá apreciar ou simplesmente entendê-lo, uma vez que ele é cheio de termos e "jargões" do ramo, apesar de como eu mencionei, a montagem e a direção fazerem o possível para torná-lo o mais didático possível, utilizando recursos interessantes para o espectador, como Margot Robbie na banheira, Selena Gomez em um cassino, um Chef fazendo uma analogia de investimentos que não deram certo com um peixe que não foi consumido e até Ryan Gosling quebrando a quarta parede. Quando os principais personagens estão indo para o mesmo lugar - uma convenção onde haverá uma palestra sobre o futuro da economia - o filme mostra os grupos de personagens em locais diferentes (uns no cassino, outros em um restaurante e os outros em uma festa na piscina), para não se tornar repetitivo, pois imaginem o quão cansativo seria se as três sequências acontecessem no mesmo lugar. Sem falar na trilha sonora que conta com várias músicas pop ícones da época, um recurso que funciona no filme para que o espectador consiga, através do corte da cena assimilado com sua memória, contextualizar instintivamente a época em que o filme se encontra.
Espectadores mais habituados ao cinema 'tradicional', possívelmente entenderão estes recursos de uma forma negativa, como se o diretor priorizasse a parte estética em detrimento à narrativa por não conseguir 'explicar' o tema, além de que seus personagens sejam um tanto difíceis de acompanhar e talvez deixem transparecer um pouco sua posição política progressista, já que McKay é um ativista freqüentemente nas manchetes do país. Especulações políticas à parte, 'A Grande Aposta' é a prova de que McKay é um diretor bastante competente, que sabe extrair grandes atuações de seu elenco (o trio principal está sendo amplamente elogiado e com razão) e que consegue adaptar uma história séria sem perder sua personalidade, que são a irreverência e a sátira.
Tanto Gosling, como Bale e Carell estão fantásticos. Especialmente este último, que já se desprendeu da imagem de comediante pastelão há um bom tempo e tem conseguido manter um nível de atuação excelente. Mesmo com uma participação menor, Brad Pitt também é muito consistente e o elenco de apoio é ótimo, com destaque para Hamish Linklater, um dos integrantes no grupo de Carell. Os elementos técnicos como trilha, fotografia e arte são competentes, desenhando bem a atmosfera visual do filme. A edição é o destaque, consegue unir todas as idéias 'nonsense' do diretor, e mesclar com a história sendo contada de forma bastante engenhosa. Pensem se o filme 'Margin Call: O Dia Antes do Fim (2011)' fosse dirigido por Michael Moore, por exemplo, só que mais engraçado.
Portanto, 'A Grande Aposta' é um filme que vale o ingresso. Especialmente se o espectador for preparado no assunto, para ter mais facilidade em acompanhar o ritmo dinâmico do filme. Para quem busca uma comédia inteligente, com grandes atuações e ainda conhecer mais de perto o outro lado da crise de 2008, o filme já surge aqui no Brasil como uma das melhores comédias do ano, e ainda estamos na segunda semana de 2016. A direção de Adam McKay é muito boa, o filme mantém o ritmo do início ao fim e ele passa a mensagem que queria expressar, de que essas tragédias acontecem como sugere uma frase de Mark Twain (que está no próprio filme), dizendo que não é o desconhecido que nos coloca em problemas, mas justamente aquilo que temos certeza que conhecemos bem. As grandes instituições financeiras acreditavam erroneamente que eram 'muito grandes para quebrar', e algumas só foram salvas pelos governos para evitar uma crise sistêmica e uma catástrofe maior ainda. Entretanto, os economistas sabem, o mercado financeiro sempre encontra uma forma de ficar à frente de leis reguladoras e isso quer dizer que, mesmo após tudo o que aconteceu, não estamos totalmente livres de um novo colapso futuramente.