“Quando vocês superarem as barreiras de filmes com legendas, conhecerão muitos filmes incríveis”.
Pois é – essa frase do oscarizado diretor de Parasita, Bong Joon Ho, nunca me fez tanto sentido quando acabei de ver essa nova (ou “nova”) versão do clássico terror japonês Ju-Oh (de 2002) – essa mania de Hollywood se apropriar de obras orientais precisa terminar! Sério! O mundo precisa evitar filmes como este O Grito, que, posso dizer tranquilamente, é um dos piores filmes que já vi nos últimos cinco anos! Um trabalho tão absurdamente mal realizado e sem proposito, que eu gostaria de apresenta-lo a quem reclamava dos 209 minutos de O Irlandês – estes com certeza não sabem do tédio e irritação que os 94 minutos deste trabalho de Nicolas Pesce consegue passar.
Falando de Scorsese, é bom lembrar que este fez uma das poucas versões boas de obras do cinema asiático em Hollywood – Os Infiltrados – mas agora, comparado a este, as refilmagens de filmes de terror japoneses feitas nos anos 2000, como O Chamado (o primeiro apenas) e Água Negra (dirigido pelo brasileiro Walter Salles, um trabalho que merecia ser mais conhecido, inclusive) eram filmes acima da média – porém, algo que não se aplicava aos três filmes hollywoodianos de O Grito – que apenas pegavam o clima tétrico e realmente pesado do original do Japão e misturavam com a formula simples da franquia Pânico – com resultados pouco expressivos, meros caça-níqueis, que o grande público nem sequer faz mais questão de acompanhar atualmente – aliás, fico muito feliz que produtoras norte-americanas como a A24 e a Blumhouse consigam nos trazer agora filmes de terror mais impactantes e reflexivos – mas, infelizmente, nem a Sony, nem os produtores (um deles Sam Raimi, o homem por trás do clássico A Morte do Demônio – como aprovou um projeto desses?) e o diretor e roteirista desta nova empreitada, fazem questão de entender que o cinema evoluiu – e, ainda insistir numa formula desgastada como essa, é dar um passo para trás em questão de qualidade – vide como Atividade Paranormal também se tornou outra franquia estagnada.
Baseando-se no filme de 2002 feito no Japão, mas com algumas referências as produções norte americanas também, o roteiro de Pesce tenta trazer nuances e características novas à já conhecida história – segundo ele próprio declarou à imprensa, é uma “versão hardcore” de O Grito – enfim, não sei onde – ele segue, simplesmente, a cartilha básica desse tipo de filme: jumpscares (inclusive, os sustos mais previsíveis e sem graças que já devo ter tomado na minha vida), personagens com traumas – sim, todos tem algum trauma, mas nenhum realmente bem interligado – efeitos estáticos para mostrar os espíritos/demônios; fotografia cheia de filtros artificiais e escuros – e um trabalho de som que é simplesmente o mesmo das versões anteriores – o tal barulho emitido pela entidade é exatamente igual aos outros filmes! Que inovação, hein! Que “hardcore”!
Abrindo o filme com cenas se passando em Tokyo em 2004 (pelo jeito, um tipo de homenagem ao original), o filme mostra a norte-americana Fiona (Westwood) voltando para os Estados Unidos e trazendo com ela a terrível maldição da entidade/espirito Kayako (Bailey) – maldição que consiste quando alguém morre em um momento de muita raiva ou ódio, fazendo o local onde tudo aconteceu ficar sempre amaldiçoado – explicado por letreiros muito bregas e óbvios logo no inicio – chegando lá, a trama se divide em quatro partes (sim, quatro linhas narrativas quase desconexas!) – enquanto Fiona causa um massacre em sua casa, matando sua filha (Fish) e marido (Brown), o longa salta para 2006, mostrando a detetive policial Muldoon (Riseborough), que vai investigar um estranho corpo encontrado em um carro a beira de uma estrada; algo que a leva a casa onde Fiona morava, onde agora uma estranha senhora (Shaye) vive – para em seguida o diretor voltar para 2005, para nos apresentar aos vendedores da casa, o casal Spencer (Cho e Gilpin), que estão prestes a se tornarem pais.
E aí que me pergunto: qual a ligação de todas essas linhas narrativas? Nenhuma! Absolutamente nenhuma. Pesce utiliza metade do tempo do filme só para apresentar isso – e não desenvolver nada – fazendo todo o elenco passar vergonha – é quase inacreditável como Andrea Riseborough é exposta a ficar fazendo caretas cada vez mais absurdas, como se para demonstrar o trauma de ter perdido o marido recentemente bastasse aparecer com cara de cansada no trabalho – aliás, o filho dela, também tenta demonstrar isso – mas como o diretor não sabe conduzir ninguém, o ator mirim John J. Hansen parece que sofreu uma lobotomia e só recita frases decoradas – vergonhoso, principalmente quando sua mãe usa um método patético para ele controlar a dor por sentir falta do pai – algo que o roteiro ira usar como “chavão” mais para frente; e o casal vivido por John Cho e Betty Gilpin – a moça, coitada, só tem como função chorar por saber que seu bebê nascerá doente – e o que isso tem a ver com a maldição? Ah... o marido dela entrou na casa... pronto! Só isso.
Nicolas Pesce pensa que é algo sinistro inserir personagens obcecados e loucos – a personagem de Lin Shaye e o detetive Wilson de William Sadler são outro exagero de composições – e o jovem cineasta pensa que deformando o rosto de alguém conseguiria tornar algo assustador ou incomodo – de fato, alguns efeitos de maquiagem são bem feitos – mas só alguns – impossível não rir na cena que um personagem (ou melhor, um descarado boneco) despenca de uma escadaria e o que a equipe de efeitos especiais faz é simplesmente borrar de tinta vermelha o chão (confesso que ri muito disso) – da mesma forma que as caras e bocas absurdas da atriz Jacki Weaver, vivendo uma assistente social que trabalha com casos de suicídio assistido (olha o tanto de coisas ou tentativas de temas que são inseridos), não deixam de soar patéticas e, claro, involuntariamente engraçadas.
Entre essa bagunça narrativa, o filme se perde tanto que nem parece ter uma ameaça por trás de tudo – é como se a Kayako original tivesse enviado uma “representante” para os Estados Unidos – e comandado sua matança por telefone – vivendo a suposta “encarnação” da maldição, a menininha Zoe Fish fica a mercê de um diretor que só quer lhe mostrar como uma versão mais simples da Samara de O Chamado – sem jamais soar plausível ou assustador – e, o pior, ofendendo a inteligência do espectador com cenas de tensão patéticas, afinal, Pesce realmente acredita que o espectador não vai entender as tolas idas e vindas no tempo de sua narrativa muito mal elaborada – como não existe nada complexo na história, é impossível se confundir com a trama – ela simplesmente fica inchada e arrastada, com inúmeros problemas de ritmo – o terceiro ato é tão ridículo que é impossível não gargalhar com a atitude de um personagem que, para tentar proteger outro, acaba levando-o direto para o local onde está o perigo – só pra citar um entre vários exemplos de ideias furadas desse filme sem nexo – claro que ainda não consegue ser mais idiota do que o fato do diretor achar que enquadrar a frente de uma casa por alguns minutos é um bom jeito de encerrar o filme...
Se as versões anteriores tinham pelo menos alguma decência em passar suas histórias no próprio Japão, está se esquece completamente disso ao deixar tudo ocorrer em solo estadunidense – enfim, talvez seja melhor desse jeito – para que esse filme fique marcado como um “grito” contra adaptações de obras orientais tão estapafúrdias como essa é.
O Framboesa de Ouro 2021 já tem garantido seus prêmios de pior diretor e filme!