Terror sem identidade
por Barbara DemerovA nova versão norte-americana de O Grito não só é um reboot: o filme também marca o reinício de um projeto que já era, por si só, uma refilmagem. Se a versão japonesa dirigida por Takashi Shimizu em 2000 já fora aproveitada em exaustão pelos estúdios americanos (inclusive com a direção do próprio Shimizu) com três longas, esta retomada não consegue se sustentar nem com si própria, nem com o passado. E, infelizmente, não é capaz de assustar da mesma forma que nos anos passados.
A história é exatamente a mesma que todos já conhecem: quando uma pessoa morre cheia de ódio, é capaz de criar uma maldição que funciona como uma corrente invisível - basta ter contato com alguém ou com o local amaldiçoado para ser perseguido por criaturas sobrenaturais. O grande problema com O Grito de 2020 é que a versão de 2004 fez o básico do básico ao contar a história da fantasma que inicia toda a corrente de perseguição. Aqui, a intenção é fazer com que o espectador logo se lembre de Kayako ao nos mostrar uma fantasma de cabelos longos e pele branca como a neve, mas não existe qualquer informação sobre o início dos eventos; ou seja, a base da história nunca é devidamente contada. Tratando-se de um remake, tal buraco no roteiro é indefensável.
Com isso, tudo o que se passa após a abertura apressada e sem o mínimo de cuidado narrativo é um misto de cenas e personagens que não conversam entre si, estando ali somente para fortalecer uma lenda que já não possui tanto impacto a quem assiste. Além disso, o clichê da personagem que busca por um novo começo também se faz presente através de Muldoon (Andrea Riseborough), policial viúva que se muda com seu filho para a cidade onde a maldição de Kayako chegou. Sem muitas explicações, a protagonista se vê imersa nos crimes que ocorreram na mesma casa da rua 44 Reyburn Drive.
Não há motivação para que Moldoon mergulhe de modo intenso nos casos que envolvem a casa mal assombrada. Ela simplesmente é atraída para este núcleo de terror e, mesmo com seu filho pequeno, suas preocupações nunca parecem ser direcionadas a dar mais atenção à criança, que acabou de perder o pai. A boa interpretação de Riseborough não ultrapassa o falho desenvolvimento da personagem - e neste ponto pode ser incluída a participação de Démian Bichir como o detetive religioso e ao mesmo tempo cético sobre o caso.
Apesar de não inovar, a montagem de O Grito é interessante pela divisão da linha do tempo e das diversas famílias que passaram pelo mesmo endereço. A atenção dada às ações e consequências de cada um que passa a ser perseguido é válida e, de certa forma, a melhor parte de entretenimento do filme. John Cho e Betty Gilpin são as duas participações mais marcantes, mas ainda é preciso destacar a presença de Lin Shaye, figura importante do gênero terror no cinema. Ainda que curtas se comparadas ao restante do longa, as presenças do trio seguram as pontas, mas tudo se esvai quando o foco volta para a lenda em si.
O Grito conta com menos sustos que o esperado e, quando eles finalmente acontecem, são tão sem vida quanto os espíritos que passam a assombrar Moldoon. A exagerada atenção às consequências da lenda de Kayako e não à sua origem forma um buraco narrativo difícil de ser evitado, e a narrativa teima em inserir o máximo de jumpscares possível, como se fossem inovações do gênero e não uma repetição sem identidade. Se o intuito de um reboot é o de contar a mesma história sob um olhar atualizado (até entregando novas formas de interpretação), neste capítulo da franquia não é possível compreender onde os realizadores queriam chegar. Afinal, temos o mesmo olhar e a mesma história, mas não existe uma base que os justifique e, principalmente, seja capaz de impactar tanto quanto seus antecessores.