Minha conta
    Boi Neon
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Boi Neon

    De sensibilizar o cavalo mais xucro

    por Renato Hermsdorff

    Um consenso entre a imprensa especializada é que no Brasil falta aquele tipo de produção considerado como “filme médio”, ou seja, a obra que não tem pretensões de ser o novo “Glauber Rocha”, nem se trata de uma comédia televisiva caça-níquel.

    Pois com a profissionalização do mercado nacional, aos poucos essa realidade tem se alterado – embora ainda sem o merecido reflexo nas bilheterias. Casa Grande (2014) e Que Horas Ela Volta? (2015) são exemplos recentes dessa safra, na qual se colhe também o ótimo Boi Neon.

    Com um pé no cinema de arte (o que se confirma, por exemplo, nos clipes impactantes da mulher que dança vestindo uma cabeça de cavalo – e que, sim, têm relação com a dramaturgia do filme), a nova produção de Gabriel Mascaro (Ventos de Agosto) - que assina também o roteiro - passa por um cinema, ao mesmo tempo, de fácil assimilação pelo grande público.

    O mérito, em última análise, se dá em grande parte pela riqueza – e humor – dos diálogos. Tal qual o universalmente regional longa protagonizado por Regina Casé, Boi Neon é falado em um pernambuquês riquíssimo, cheio de expressões tão significativas quanto deliciosas.

    A premissa já valeria o ingresso. No longa-metragem, Iremar (Juliano Cazarré, excelente) é um peão que trabalha na vaquejada, “esporte” no qual dois vaqueiros têm de emparelhar o boi até uma faixa de cal riscada no chão e derrubar o animal. Ele é o responsável por preparar o bicho para a arena. Mas o que o matuto mais quer da vida é trabalhar no “fabrico de roupa”, como o próprio personagem define, ou seja, ele sonha em ser estilista do Polo de Confecções do Agreste.

    De cara, daí, é possível extrair duas informações importantes. A primeira delas se insere em um contexto mais amplo e atual. O tal polo de fato existe e tem como um dos pilares a confecção de moda praia – isso no meio de uma paisagem árida localizada a léguas de distância do mar, o que escancara as contradições de um desenvolvimento socioeconômico pelo qual o país passa.

    A segunda, de ordem particular, é o reposicionamento de gêneros. Num cenário fortemente associado ao machismo, nosso “herói” tem como objetivo a inserção em um meio do campo semântico feminino (moda). O que não quer dizer que se trate de um personagem gay – amadureça, o buraco é muito mais embaixo.

    E Iremar não é o único. Enquanto o homem costura, a mulher dirige o caminhão (a atriz Maeve Jinkings, ótima); quando o rapaz passa roupa, a motorista também atua como mecânica; enquanto o macho (Vinicius de Oliveira) alisa o cabelo, ela se orgulha das madeixas pixaim. E toda a construção é articulada de maneira orgânica, sem forçar a barra ou, principalmente, levantar bandeira.

    Se há um quesito em que o boi titubeia este está relacionado à duração das cenas. O tempo da ação é uma herança não popular dos filmes “de arte”. Longas demais, elas não contribuem para a narrativa da história que, em si, é simples, sem grandes conflitos ou reviravoltas.

    Mas o aspecto é compensado pela ousadia do filme. Com uma fotografia lindíssima (de Diego Garcia), Boi Neon traz um visual tão impactante quanto a luminosidade vibrante que o título sugere, ao mesmo tempo em que aponta para uma justificada quebra de paradigmas capaz de sensibilizar o cavalo mais xucro. E olha que nem entramos no mérito das (polêmicas) cenas de sexo...

    Filme visto no 40º Festival Internacional de Cinema de Toronto, em setembro de 2015.

    Quer ver mais críticas?
    Back to Top