Stallone exala fadiga da franquia
por Diego Souza CarlosNão é todo dia que uma franquia dá certo nos cinemas, mas o processo natural de todas as novas propriedades intelectuais que conseguem esse acalento do público é mergulhar em sequências e sequências. Quarto volume de uma saga marcada pela galhofa e por ondas intensas de ação, Os Mercenários 4 conta a maldição de algumas continuações cinematográficas: não justifica a própria existência.
Guiado por Sylvester Stallone no papel de Barney Ross, o truculento líder do esquadrão de elite visto em outras três ocasiões, a nova aventura sanguinolenta chega com a premissa de apresentar uma nova geração de agentes, mesmo que sejam raros os momentos em que essa ideia soe genuína.
Para os amantes de ação desenfreada, os primeiros segundos do longa são levemente satisfatórios, com bombas cantando, jatos de sangue espirrando de corpos que lembram combatentes de videogames - aqueles inimigos que formam hordas, sabe? -, e algumas acrobacias aqui e acolá. É um pouco frustrante que já nesse início seja possível notar a falta de apreço nos efeitos especiais. Ainda assim, estes minutos cumprem a missão de apresentar o poderio dos novos antagonistas.
Temos novos nomes como Megan Fox, 50 Cent e Jacob Scipio, e o retorno de rostos conhecidos - de Randy Couture a Jason Statham. Todos eles se reúnem para uma missão brutal: além de chegar à fonte de uma mente criminosa para desmarcar sua real identidade, eles devem impedir nada menos do que uma potencial Terceira Guerra Mundial.
Os três rostos inéditos da franquia não conseguem se mostrar em meio às constantes explosões. Enquanto a estrela do remake live-action de As Tartarugas Ninja é colocada em lugares que nunca exploram o real potencial da personagem, 50 Cent funciona majoritariamente como uma escada para explicar conceitos e histórias passadas.
Já Scipio interpreta Galan, o filho de Galgo (Antonio Banderas), e apesar de algumas semelhanças ao seu pai na ficção, praticamente não tem grandes momentos na trama - inclusive, em um furo de roteiro, ele parece não ligar que seu companheiro de equipe é esfaqueado na sua frente. Vai entender.
Falando em começos, a introdução do trio de protagonistas pode resumir vários pontos destas quase 2h de longa-metragem. A atriz conhecida por Transformers e Garota Infernal apresenta uma personagem histérica, aos berros com Lee (Staten), seu companheiro. Ele e Barney (Stallone) têm um diálogo de “tiozão” que demonstra a exaustão da dupla com a discussão proposta pela garota, mas também os coloca em um espaço de calmaria somada à camaradagem mútua.
Esta questão com Megan Fox é apenas o começo de uma sensação crescente de que o diretor
Scott Waugh, conhecido por Need For Speed: O Filme e Projeto Extração, e os roteiristas Kurt Wimmer (Código de Conduta), Tad Daggerhart (Black Lotus) e Max Adams (Bumblebee) não sabem conduzir personagens femininas.
Em determinado momento do filme, Gina (Fox) se torna uma líder e mesmo demonstrando a força necessária, ela não é capaz de demonstrar este potencial e é salva mais de uma vez por um homem - tirando o fato de que uma dessas sequências tem relação com piadas de golden shower - um fetiche escatológico relaciona à urina.
As outras duas mulheres, que tem poucas falas no filme, são apenas sombras de personagens, de fato. Lucy Newman-Williams parece ser uma agente experiente, mas não pode tomar decisões importantes, pois é apenas uma subordinada. Já Levy Tran interpreta uma mercenária que entra de forma confusa e deixa a tela como entrou. Potenciais desperdiçados.
Se há um aspecto instigante em Os Mercenários 4 é encarar toda a narrativa como um grande videogame, principalmente nos tiroteios e sequências tomadas por punhos fechados. A maioria das batalhas acontece exatamente como nos grandes jogos de ação triple A (games de grande orçamento, considerados blockbusters dos videogames) como Uncharted e Call of Duty. Chega a ser engraçado, pois estes títulos se inspiraram no cinema para criar suas próprias linguagens e hoje servem como inspiração para muitos filmes e séries.
Apesar de ser muito bacana encarar estas sequências desta forma e notar que existem, inclusive, itens em cada cena para cooperar com essa sensação - de tanques de gasolina a perseguições alucinantes que somam grandes armas e veículos especiais - essa estrutura é utilizada de maneira básica.
É quase como assistir ao gameplay de algum jogo: você consegue ver a ação e até mesmo sentí-la, mas nunca será tão legal quanto estar com o controle na mão. Com o longa, o sentimento é semelhante, pois tais cenas nunca são empolgantes o suficiente para que te deixem sem fôlego, como se estivesse no olho do furacão.
No geral, Os Mercenários 4 parece querer explorar algo dificilmente visto em outras ocasiões: se levar a sério demais. É interessante ver a irmandade proposta por Lee e Barney, pois esta é a força da narrativa que guia o projeto até o seu desfecho. Stallone já havia prometido que o longa proporia uma passagem de bastão, algo que está ali em alguns momentos, mas não se concretiza na tela da forma como se espera. Há algumas escolhas de roteiro que prejudicam essa ideia, resultado de uma possível falta de coragem ou carinho excessivo ao status quo da franquia.
Nesse dilema entre apostar no drama e tentar utilizar os velhos conhecidos elementos de comédia, nada se estabelece de fato. Apesar disso, não se engane: os traços que fizeram a trama de ação acumular milhões nas bilheterias estão lá - da ação desenfreada ao conjunto de estrelas de Hollywood, um grupo chamativo o suficiente para valer o ingresso de muitos.
Cheio de promessas, Os Mercenários 4 não corresponde aos 9 anos que o separam de seu antecessor. Enquanto houve a oportunidade de atualizar discursos e beber na fonte de tudo o que foi feito de melhor neste período - e isso inclui os ótimos John Wick e até mesmo Resgate -, sente-se apenas a fadiga tanto dos seus personagens quanto deste universo.
Não é mais tão divertido ver os “monstros” que se consagraram no cinema de ação reunidos se a chama do entretenimento parece estar tão apagada. O filme acaba por lidar com aquilo totalmente previsível ao gênero: uma grande fadiga somada a um gostinho de possibilidades desperdiçadas. A dor nas costas sentida por Barney no início do filme não é apenas um indício da exaustão de seu personagem, mas também se expressa como uma alegoria ao esgotamento de toda a franquia.