Segredos de família
por Francisco RussoPor mais que soe trivial, a sequência inicial de O Mundo Fora do Lugar dá a exata dimensão do longa-metragem: em um restaurante, a simpática Sophie (Katja Riemann) atende um casal interessado em se casar. No papel de pretendente a cerimonialista, ela deseja investigar o amor de ambos antes de aceitar se cumprirá ou não tal tarefa. Por mais que o espectador (ainda) não saiba, Sophie parece destinada a tal função - e tal dependência conceitual em torno da personagem trata-se de um dos poucos artifícios bem executados no problemático roteiro da também diretora Margarethe Von Trotta (Hannah Arendt).
Como de hábito, a diretora alemã volta a apresentar uma história centrada em mulheres fortes. A partir da publicação em um jornal da foto de uma consagrada cantora lírica (Barbara Sukowa), um homem a identifica como sendo extremamente parecida com sua finada esposa. Após muita insistência, sua filha Sophie viaja até Nova York com o objetivo de encontrá-la - e, de quebra, eliminar a dúvida se ela não seria a própria esposa.
É a partir da dúvida em torno da identidade de Caterina que O Mundo Fora do Lugar se perde - a começar pela óbvia questão da idade das personagens, algo estranhamente jamais levantado pelo roteiro. Fugindo do clima típico de filmes investigativos, o encontro entre as duas acontece de forma naturaista e pontuado por uma boa citação ao clássico A Malvada. Entretanto, o roteiro surpreende pela extrema facilidade: da chegada ao camarim ao acesso maior a Catarina, tudo acontece graças a uma tremenda dose de boa vontade e coincidências. Até mesmo a horrenda chantagem sexual existente é apresentada com uma certa leveza, sendo aceita com passividade pela personagem principal - algo cuja estranheza se torna ainda maior por ser este um filme roteirizado e dirigido por uma mulher.
A partir de tal encontro, o filme aos poucos caminha rumo a um típico novelão familiar, daqueles bem carregados e repletos de segredos do passado que vêm à tona para atormentar os personagens. Nada contra tal formato, caso fosse bem executado. A insistência nos facilitadores de roteiro, de forma a rapidamente desatar os nós existentes, dá à narrativa um tom pouco crível em relaçã à investigação familiar em andamento. Mais ainda: a própria diretora parece brincar com o formato do suspense, sem muito talento, especialmente no uso de um enquadramento típico do gênero na sequência do primeiro encontro de Caterina com o pai de Sophie. Bizarro.
Com péssimos diálogos proferidos pelo canastrão Robert Seeliger, um personagem tão alienado e mal construído que é difícil acreditar ter sido criado por uma roteirista veterana, e uma história rocambolesca que rapidamente torna-se risível, O Mundo Fora do Lugar salva-se apenas pela boa atuação de Katja Riemann, em especial pelo brilho trazido nas várias cenas em que canta. Ainda assim, por mais que sejam agradáveis, não são essenciais ao roteiro. Um verdadeiro novelão alemão, na pior acepção do termo.