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por Francisco RussoLogo em seus primeiros filmes, Coisas Que Você Pode Dizer Só de Olhar para Ela e Questão de Vida, o diretor Rodrigo Garcia abordava com propriedade o tema da incomunicabilidade. Em Últimos Dias no Deserto ele retorna à questão, agora sob o viés religioso - mas sem qualquer intenção catequisadora, é bom deixar claro! Tudo porque a inspiração de seu novo filme vem diretamente do Novo Testamento, mais exatamente do período em que Jesus Cristo esteve em pleno deserto, antes de chegar a Jerusalém.
A frase inicial do longa-metragem, "Pai, onde está você?", escancara de imediato tal dificuldade. Sozinho no deserto, jejuando por opção própria, Jesus perambula sem rumo. Consciente do destino que lhe é reservado, ele na verdade está mais interessado em compreender tal situação do que em propriamente em falar com Deus. Para retratar tal situação, o diretor explora bastante o conceito da solidão, seja através de belas panorâmicas ressaltando a amplitude do deserto ou pela própria inexistência de trilha sonora, em certos momentos.
Tamanha ausência, de sons e também de pessoas, é interrompida por dois artifícios narrativos, um presente na própria Bíblia e outro que serve de metáfora à própria busca do protagonista. É na figura do diabo, também interpretado por Ewan McGregor, que surgem as tentações bíblicas. Por mais que não sejam exatamente iguais ao que é narrado nos evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas, a intenção de Jesus sendo testado de forma a evitar seu destino é bastante fiel, sem qualquer tipo de apelação emocional. Por outro lado, é no encontro com uma família em pleno deserto que se encontra a recriação, entre humanos, da incomunicabilidade entre pai e filho.
É nesta metáfora que Últimos Dias no Deserto derrapa, pela simplicidade do confronto envolvendo pai (Ciarán Hinds) e filho (Tye Sheridan). Ocupando cerca de metade da duração do filme, este trecho não apenas demonstra uma certa obviedade como também não aprofunda a metáfora da ligação entre pai e filho, assim como as dificuldades de comunicação entre eles. O desenlace acaba sendo menor do que aparenta a princípio.
Diante disto, Últimos Dias no Deserto acaba sendo um filme que se destaca mais pela proposta narrativa implementada do que propriamente por sua qualidade. Se por um lado é bom ver um filme sobre Jesus Cristo que fuja das batidas histórias de seu nascimento ou da crucificação, por outro este trecho de sua vida desperta possibilidades que jamais são aprofundadas, até mesmo dentro do âmbito religioso, se baseando muito mais no belo visual do deserto e no carisma de Ewan McGregor, em desempenho apenas correto. Sem falar que, no desfecho, o diretor se rende à tentação e mostra a cena mais conhecida de seu personagem principal, além de uma pífia analogia visual do período retratado com os dias atuais. Não precisava.