Minha conta
    O Que Será de Nozes 2
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    O Que Será de Nozes 2

    Os bichos contra os humanos

    por Bruno Carmelo

    Parte da crítica de cinema tem descartado animações infantis como reais objetos de análise. Com certa condescendência, determinam se o filme é colorido o suficiente, se traz mensagens positivas, se as piadas agradam aos adultos ou apenas às crianças. Mas o gênero precisa ser considerado como projeto digno de considerações ideológicas, técnicas, de mise en scène etc. Por trás da fofura e das cores, toda representação fantasiosa dialoga com o mundo atual.

    O Que Será de Nozes 2 foi rejeitado por esta parte da imprensa que o considerou “desnecessário” (The Guardian) e não “verdadeiramente divertido” (Variety). No entanto o filme possui uma série de elementos dignos de atenção. O primeiro deles diz respeito à delimitação do gênero: enquanto a história original de O Que Será de Nozes? adaptava os códigos da máfia para as crianças, a continuação discorre sobre a corrupção na política com uma frontalidade incomum. Fala-se em “lucratividade”, “especulação (imobiliária)”, e ainda sobre o personagem que “não pode ir à cadeia porque é rico”.

    Esta franquia mantém o subtexto ousado, ainda mais complexo do que o original. Antes, Max, Andie e seus amigos precisavam encontrar comida. Agora, com uma loja de nozes à disposição, eles se questionam sobre viver na mordomia do consumismo ou retornar às raízes selvagens e caçar o próprio alimento. Ou seja, quando a sobrevivência não dava escolha, seus atos eram óbvios, mas o segundo filme lida com liberdades individuais, inclusive criando uma oposição saudável entre a demagogia nostálgica de Andie e a malandragem hedonista de Max. Nenhum dos dois é visto como certo ou errado: a ideia do filme é realizar uma improvável síntese entre ambos.

    Juntos, os animais provam não apenas que a união funciona melhor do que o individualismo, mas também que a reunião dos bichos pode provocar uma verdadeira revolução social. Em tempos de vidraças quebradas chocando os defensores da propriedade privada, o espectador pode ficar surpreso ao ver o que esquilos, castores e cachorros estão dispostos a fazer com uma casa e um parque de diversão inteiros. Mesmo assim, o espírito anárquico não se traduz numa proposta coerente: apesar de criticar o prefeito corrupto e os falsos protetores dos animais, O Que Será de Nozes 2 não oferece alternativas políticas. O discurso fica no meio do caminho entre a denúncia e o conformismo do tipo “todo político é vendido”.

    Na direção, Cal Brunker desenvolve cenas de ação fluidas em termos de enquadramento e montagem, como a cena de abertura na loja, além de privilegiar o humor paródico à escatologia do primeiro filme. São particularmente bem-sucedidas as brincadeiras com a artificialidade dos musicais e a hipocrisia dos ricos. A ótima dublagem contribui à credibilidade dos personagens e ao timing das piadas. O resultado pode não atingir um grau de debate aprofundado, mas deixa pistas suficientes para as crianças questionarem as ordens impostas e duvidarem de figuras de autoridade.

    Apesar das qualidades, O Que Será de Nozes 2 ainda se apoia em figuras desgastadas da animação globalizada, trazendo personagens parecidas demais com outras figuras marcantes, a exemplo da tirânica Darla de Procurando Nemo ou Snowball, o coelhinho gângster de Pets - A Vida Secreta dos Bichos. Algumas escolhas da tradução também incomodam, como o excesso de “show de bola” proferido pelo protagonista, ou falas conservadoras do tipo “macho que é macho...” trocadas entre amigos. O filme permanece preso à estrutura bem-sucedida de outros projetos, mas deixa transparecer a vontade de injetar, ainda que discretamente, mensagens e temáticas atípicas para debater com as crianças.

    Quer ver mais críticas?
    Back to Top