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    O Desejo da Minha Alma
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    O Desejo da Minha Alma

    Luto delicado

    por Bruno Carmelo

    Uma garotinha está perdida em uma nuvem de fumaça. Ela tem o resto levemente machucado, e mexe em uma pequena pilha de entulhos à sua volta. Não existe trilha sonora, nenhum outro personagem, quase nenhum efeito sonoro. A cena inicial do drama japonês O Desejo da Minha Alma representa toda a abordagem metonímica e contida do diretor Masakazu Sugita.

    De fato, os temas se prestariam a um grande melodrama: crianças pequenas perdendo os pais em um terremoto, tios com dificuldades financeiras sendo obrigados a cuidar dos órfãos, o primo se sentindo negligenciado com a presença súbita das novas crianças em casa. Sugita não evita nenhuma etapa essencial à dinâmica do luto – o funeral, a descoberta de uma nova casa, a entrada na nova escola – mas o faz evitando o sentimentalismo.

    O diretor prefere um olhar pouco intervencionista, dotado de um louvável pudor e respeito em relação aos personagens. Nos momentos de emoção intensa, a câmera simplesmente filma os personagens de costas ou afasta-se de seu rosto, como se desse às crianças o direito à privacidade. O terremoto não é visto em planos amplos, espetaculares. O Desejo da Minha Alma é dotado de um belo humanismo e um domínio interessante do ritmo, dos enquadramentos e da luz. A experiência é fluida, sem ser arrastada demais, e distanciada, sem ser fria.

    O drama é ancorado pela boa presença das crianças, muito bem dirigidas – a garotinha transmite uma mistura de incompreensão e tristeza, o irmão mais novo sequer compreende que os pais morreram – e pelo roteiro inteligente, que não abandona nenhum personagem, nem julga suas ações. É interessante como cada um tenta ser mais forte para o outro: a irmã mais velha finge não sofrer dor para ajudar o irmão mais novo, a tia finge não sofrer com a perda da irmã para dar força os sobrinhos. Enquanto isso, o roteiro segue um caminho linear e convencional, com a curta trilha sonora ao piano, uma única e pontual cena de catarse, o desfecho otimista.

    Talvez este seja também o pequeno revés do filme: sua recorrência aos símbolos mais tradicionais da morte e do luto. Sugita explora a foto dos pais falecidos, uma carta escrita à memória destes, a chuva redentora quando a garota volta da escola, a espera das crianças diante de um barco que nunca trará os pais... São símbolos bonitos, e bem executados, mas um tanto gastos no imaginário cinematográfico. Este mesmo ano, outro filme japonês, O Segredo das Águas, trouxe de modo arrebatador e transcendental a relação entre as crianças e a morte. O Desejo da Minha Alma tem pretensões mais modestas, sem ambições de originalidade. Mas é uma obra consciente de seu porte e coerente em suas escolhas.

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