Vampiro como eu e você
por Bruno CarmeloSe você pensa que os vampiros passam suas noites a caminhar por mansões luxuosas e devorar o pescoço de belas vítimas, está enganado. Eles também se preocupam com a louça acumulando na pia, com a descoberta de casas noturnas vampire-friendly, com seus perfis nas redes sociais… As criaturas de centenas de anos de idade vivem na mesma época que nós, atravessando conflitos semelhantes. Este é o ponto de partida da inusitada comédia O Que Fazemos nas Sombras, um falso documentário sobre quatro amigos vampiros que dividem uma casa.
Os ótimos comediantes Jemaine Clement e Taika Waititi comandam a produção, aplicando o humor afiado a situações de incômodos e inadequações. A ideia da dupla é representar o vampiro como um marginal, alguém incapaz de se adequar à contemporaneidade, e por isso mesmo um simpático perdedor buscando a aprovação do espectador. O roteiro é impressionante: para quem associa roteiro de comédia a piadas fáceis e personagens mal desenvolvidos, basta ver a trajetória muito precisa de cada protagonista e as tiradas excelentes extraídas da premissa.
O filme consegue satirizar praticamente todos os ícones associados aos vampiros, passando por estacas, cruzes, luz do dia, necessidade de sangue, vida eterna, sexualidade exacerbada, reflexo no espelho, interação com lobisomens e demônios etc. O roteiro tem espaço para mostrar a conversão de novos vampiros e a experiência de vampiros antigos, atravessando períodos históricos que impregnam a narrativa de divertidos anacronismos: Vladislav (Clement), por exemplo, ainda pratica a tortura por ter vivido na Idade Média, enquanto o iluminista Viago (Waititi) prega uma tolerância intelectual entre as espécies. Nenhum elemento escapa ao olhar irônico dos criadores, que ainda fazem piadas com Nosferatu, Crepúsculo e Blade - O Caçador de Vampiros.
A câmera digital na mão torna-se uma escolha pertinente tanto ao formato do falso documentário quanto ao baixo orçamento do projeto. Mesmo assim, os discretos efeitos especiais são bem utilizados nas cenas de voo e transformação dos lobisomens. O elemento mais gratificante de O Que Fazemos nas Sombras é ver que os diretores nunca precisam sublinhar as piadas do grupo, filmadas com a naturalidade de quem registra uma cena familiar. Os atores não recorrem a caretas, os efeitos sonoros não precisam avisar quando uma imagem tem intenção de provocar o riso. O filme confia na inteligência do espectador.
O elenco, que também inclui Jonny Brugh, Cori Gonzalez-Macuer e Jackie Van Beek, está bastante convincente na paródia. A trilha sonora punk coroa o projeto de narrativa anárquica, mas com uma coerência cinematográfica respeitável. Talvez ele não traga surpresas no ritmo, explorando um tipo de humor único do início ao fim, mas O Que Fazemos nas Sombras é uma produção confiante em suas imagens, em seu texto e no efeitos que deseja provocar. Ou seja, uma comédia excepcionalmente madura e ousada.