Um filme fantasma
por Bruno CarmeloA sinopse do drama belga Violet informa que um garoto testemunha o assassinato de um colega, e depois passa a sofrer o trauma desta experiência. De fato, desde a primeira cena, o crime está presente, mas é difícil prestar a atenção em qualquer outra coisa que não seja a própria imagem. A direção de Bas Devos impõe-se de tal maneira que a estética parece o principal tema e único objetivo desta obra.
Devos possui grande talento para a construção de belos planos fixos, não há dúvidas. O diretor mostra os jovens andando de bicicleta ao crepúsculo, percorrendo trilhas em uma floresta, andando na caçamba de um veículo. O plano-sequência lentíssimo, em câmera fixa, é a arma principal para relatar um tempo que se estica, estica, até o limite do insuportável – tanto para o espectador quanto para o personagem. Compreende-se que o cineasta tente reproduzir na fotografia e na montagem o estado de letargia do protagonista, mas ele não fornece o menor recuo, ou qualquer alternativa, à estética lânguida, mórbida, em que longos... planos... não... revelam... quase... nada.
Violet constitui um desses prazeres sofisticados e herméticos, do filme pelo filme, a arte pela arte. Se há luto, trauma, dificuldade da família ou dos amigos em lidar com a perda, isso não se transmite ao espectador. Afinal, o protagonista, Jesse (César De Sutter), constitui um mero objeto dos enquadramentos, um manequim que posa nas partes adequadas do plano, posiciona a mão no ângulo exato que o diretor pretende enquadrar. Ele não se expressa, nem em palavras, nem em gestos, nada indica um estado psicológico específico, uma reação qualquer. O magro roteiro tampouco traz reviravoltas à situação.
Talvez o filme funcionasse melhor como colagem de momentos abstratos, ou sucessão de fotos estáticas ao invés de uma narrativa linear, porque a imagem não está a serviço da narrativa, e sim, a narrativa está tentando rechear os planos rebuscados do cineasta. Essas imagens corresponderiam melhor à atmosfera de um museu ou galeria de arte, onde a busca formal se justificaria mais facilmente. Mas fica difícil imaginar Violet exibido no circuito comercial brasileiro, por exemplo.
Ao menos Violet não deve deixar nenhum espectador indiferente, já que impressiona tanto por boas quanto por más razões. Trata-se de filme lindíssimo, mas assustadoramente entediante e vazio. A perversa beleza da obra foi obtida às custas da história, dos personagens, do luto. Como um rolo compressor, Devos sacrificou o potencial de comunicação de seu filme para se restringir à sedutora superfície.