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    Deus Não Está Morto
    Críticas AdoroCinema
    1,0
    Muito ruim
    Deus Não Está Morto

    O julgamento de Deus

    por Francisco Russo

    Uma das regras básicas da propaganda é vender apenas o que lhe interessa. Você vê o produto lindo, maravilhoso, pronto para ser consumido como se fosse a oitava maravilha do mundo – isto vale tanto para o iogurte que pode parar na sua geladeira quanto para o candidato que pede seu voto, entre tantas outras possibilidades. A boa propaganda (sob o ponto de vista mercadológico) usa dos mais variados artifícios para capturar sua atenção, do humor às belas imagens que expõem felicidade contínua, mesmo que para tanto se aproprie de subterfúgios para enganar o espectador incauto. Este é o caso de Deus Não Está Morto, um filme que manipula uma proposta até interessante para atingir um objetivo explícito: a glorificação do cristianismo, custe o que custar.

    Os inimigos do filme são expostos com muita facilidade: ateus, pessoas de outras religiões, a imposição de omitir sua crença pessoal. Todos abordados com o máximo de maniqueísmo possível, de forma que sejam demonizados perante ao público, seja através de falas arrogantes ou atos bruscos. Por outro lado, os cristãos são sempre calmos e serenos. É fácil gostar deles, são pessoas simpáticas e humildes, mesmo que não se tenha qualquer predileção pela religião que sempre ressaltam. Assim se constrói uma narrativa tendenciosa, onde o que menos interessa é a suposta proposta original do filme: discutir a existência de Deus, tendo como palco o âmbito acadêmico.

    Gancho principal de Deus Não Está Morto, a tal discussão nasce a partir de um professor de filosofia que vocifera acusações contra o “ditador celestial” de um “conto de fadas útil”, com frases cuidadosamente selecionadas para ofender o bom cristão que assiste o espetáculo. O redentor é um jovem aluno que aceita o desafio de enfrentar o mestre e, em seu púlpito, argumenta também usando falas de pensadores, que deem algum embasamento às suas ideias. O júri é o restante da turma, que acompanha com atenção ao julgamento de Deus em plena sala de aula.

    Fosse um filme sério, Deus Não Está Morto seria palco de um interessante debate sobre a questão da religião e sua influência na civilização, levando em conta não apenas o aspecto da razão mas também a emoção inerente a quem, simplesmente, tem fé. Entretanto, não é este seu objetivo – é apenas a propaganda que vende ao espectador. Ao manipular seus personagens principais, ressaltando o desprezo e a falta de respeito de um lado e a bondade e a luta pelo que acredita no outro, a decisão já está tomada. Mas, pior ainda, é acompanhar o suposto debate científico onde questões como o criacionismo são defendidas a partir uma tese absurda, comparando bananas com maçãs. Pior do que dourar a pílula, é justificá-la a partir de mentiras.

    Diante de tamanha falta de honestidade, Deus Não Está Morto torna-se um mero filme de louvação, daqueles que têm por objetivo também catequisar ovelhas desgarradas – leia-se chineses e muçulmanos, vítimas de um radicalismo travestido na narrativa. Pelo que representa nas entrelinhas, trata-se de um filme extremamente nocivo por alimentar preconceitos que desrespeitam o mesmo livre arbítrio que o próprio filme exalta para os cristãos. O que seus realizadores não entendem é que a resposta à proposta levantada pelo título é muito maior do que um mero sim ou não, envolvendo questões bem mais complexas do que uma mera crença. E, pior ainda, que valores morais sobre a vida em sociedade não são sinônimo de acreditar em Deus – ou em qualquer outra religião, algo que o filme sequer considera.

    Contraditoriamente, Deus Não Está Morto torna-se aquilo que mais combate: a imposição de uma crença, usando todo e qualquer subterfúgio para tanto.

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