Antes de assistir ao filme tenha em mente que não haverá um clímax explícito, ou seja, um conflito iminente do protagonista, no qual não se sabe a que fim levará o desfecho da narrativa. É bem o contrário, já sabemos exatamente o enredo pelo título (e a redundância na tradução). Isto não quer dizer, porém, que o filme seja previsível, ou "parado", e que nada acontece. O filme acontece desde a primeira cena, mas é preciso um olhar diferente para senti-lo.
A singularidade de Boyhood está na sua simplicidade, e acima de tudo na verossimilhança com a realidade universal. O filme foi rodada pouco a pouco durante 12 anos, mantendo o elenco e mudanças de cada personagem durante toda essa década. Mas não é só isso, quem viveu no planeta Terra na última década vai perceber claramente as tendências desses últimos anos. A música "Yellow", de Coldplay, já deixa claro que o filme começa em 2002, quando as filmagens foram de fato iniciadas. O pequeno Mason, protagonista da história, tinha então apenas 5 anos e uma mente fértil de qualquer criança nessa idade. Ao longo da história gameboys, Harry Potter, Nintendo Wii, Britney Spears, Daft Punk, Facebook, e outros elementos dão mais veracidade às tendências deste público infanto-juvenil.
Ao longo do filme os personagens ganham novos "looks" conforme a idade avança. As mudanças acontecem de forma tão sútil e gradativa que mal percebemos. Nada daqueles títulos "5 anos depois", ou coisa do gênero; de repente, em uma nova cena Mason aparece com o cabelo maior, sua irmã com maquiagem, a mãe mais moderna, o pai com um bigode de ator pornô, etc. A sensação é a mesma quando vemos aqueles parentes distantes que apenas os encontramos em festas de fins de ano ou funerais e pensamos: "Nossa, como o fulano cresceu! A fulana está diferente!". Essa é a sensação que se passa, e de repente estamos íntimos da família.
Apesar das mudanças corporais e estéticas, ao mesmo tempo as personagens são as mesmas. Embora Mason tenha uma atitude mais radical com seus cortes estilo gótico-emo, protótipo de barba, brinco e unha pintada, ele continua um garoto introvertido e procrastinador. Sua irmã é a mesma garota inteligente e superior em tudo que faz, a mãe batalhadora, o pai extrovertido e disposto. O modo de vida e situação financeira da família também vai mudando. Ora estão bem, ora estão mais apertados, sendo obrigados inclusive a mudar de cidade. Assim é a vida: uma montanha russa. Mães e pais lutam para dar o melhor aos filhos, o que demanda bastante trabalho e estudo. Estes valores são bem enfatizados no filme. Várias vezes Mason se vê sendo aconselhado sobre o futuro, o que fazer da vida, qual faculdade escolher, etc. Valores que qualquer família passa (ou deveria passar) aos filhos. Apesar da história focar uma típica família americana, o filme é universal. Qualquer expectador irá se identificar com muito do que é passado e pensará que a própria vida poderia render um filme também.
Pra concluir, Boyhood é sobre um período crítico da vida. Um tempo em que incertezas, medos, mudanças, felicidades e infelicidades acontecem. Um tempo em que somos moldados tanto fisicamente quanto intelectualmente. Um filme que te faz pensar como o tempo voa, e que devemos pensar sobre o futuro, o quanto somos efêmeros nesta vida que não passa de um ciclo sem fim. Linklater criou uma obra-prima, um filme que transmite a magia do cinema de forma singular. Merece as críticas positivas que vem recebendo e se não levar o Oscar será uma surpresa.