Sátira funcionaria melhor se estendida
por Renato HermsdorffNo vasto universo das produções cinematográficas, não é raro se deparar com longas-metragens apoiados em tramas tão forçosamente arrastadas, que certamente funcionariam melhor no formato curto. Recheado de ramificações, superpovoado por um time dos mais valorizados atores da Hollywood atual, Ave, César!, a sátira à indústria do pós-guerra comandada pelos irmãos Joel e Ethan Coen, padece do drama oposto.
A história se passa no período de um dia, no clima da paranoia anti-comunista dos anos 1950, data em que a principal estrela dos estúdios Capitol Pictures, Baird Whitlock (George Clooney, ótimo) – não tão bom ator assim –, é sequestrada bem no meio das filmagens da superprodução de época chamada... "Ave, César!". Caberá ao leão-de-chácara da companhia, Edward Mannix (Josh Brolin) – cuja função é proteger os atores da empresa, desde fazer com que eles cumpram seus compromissos profissionais a abafar escândalos –, trazer o artista são e salvo de volta ao set no decurso deste dia terrível, horrível, espantoso e horroroso.
Em Hollywood (a de hoje), não se recusa um pedido dos irmãos Coen (de Bravura Indômita, Onde os Fracos Não Têm Vez, O Grande Lebowski). E, por isso, não são poucos os atores da A-list que toparam embarcar na brincadeira. O elenco do filme não poderia ter sido melhor escalado. Scarlett Johansson (a falsa donzela), Channing Tatum (o galã vaidoso), Tilda Swinton (as jornalistas de fofoca – sim, são
gêmeas), Alden Ehrenreich (o ator de western "promovido” a um papel sério), Ralph Fiennes (o diretor respeitado), por exemplo, têm papéis tão simbólicos e caricaturais – e, sim, dão conta de representá-los no tom que a produção pede – quanto efêmeros.
É quase fisicamente impossível explorar tantos – e tão bons – personagens em pouco mais de uma hora e meia de projeção – a duração total é de aproximadamente 1h40. E o resultado é uma série de números picotados que, embora interessantes individualmente, pouco ou nada contribuem para o eixo central da narrativa, em sua maioria. Isso sem contar as participações de Jonah Hill (o “laranja”), Christopher Lambert (o diretor aproveitador) e Frances McDormand (a projecionista, involuntariamente hilária, que rouba a curta cena que tem), “pontas” entre os mais de 80 nomes creditados no elenco.
Claro, há um riquíssimo trabalho de reconstrução de época por trás da produção, que serve para sustentar o texto cínico assinado pelos próprios Coen. É como ganhar uma viagem para a época de ouro do glamour do cinema norte-americano, porém de classe econômica, que é onde o mundo real acontece de verdade, por baixo dos panos. Comparado com outras produções da dupla, no entanto, o exagero é até comedido, por incrível que possa parecer. Falta um pouco da dose nonsense de Fargo ou Queime Depois de Ler – elemento que talvez tenha sido suprimido pelo excesso de subtramas.
É como declarou Channing Tatum – responsável por um número musical complexo, sarcástico e muito, muito divertido: “muitos dos atores são retratados como idiotas nesse filme”. E ele tem razão. Faltou, só, mais tempo para rirmos deles. Fica aqui a sugestão: Ave, César – a Série, já!