Naturalmente gay
por Bruno CarmeloPoucos dias antes da festa de formatura, sofrendo a pressão de perder a virgindade com alguma garota depois do baile, Matty (Hunter Cope) faz uma confissão ao melhor amigo Michael (Nicholas Braun): ele tem atração por homens. “Sou um cara gay”, afirma. O outro reage com incredulidade, afinal Matty “não parece gay”, não frequenta clubes LGBT, não se veste como alguém ostensivamente homossexual. Não seria apenas um equívoco? Passada a surpresa inicial, a reação de Michael é a de ajudar o amigo de infância a qualquer custo: é a hora de compensar o tempo perdido, se jogar nas festas de espuma com outros homens nus, experimentar o máximo de corpos possível. “Os gays podem transar o tempo todo!”, conclui Michael ao buscar o “aspecto positivo” da descoberta.
O aspecto mais interessante desta comédia é o seu aceno aos clichês relacionados à imagem do jovem homossexual. Matty não se encaixa neste perfil extravagante, e nem quer se encaixar: ele apenas se apaixona por homens e quer fazer sexo com eles. A naturalidade do rapaz gay entra em contraste direto com a insegurança do melhor amigo, que se torna desesperado para encontrar um meio social em que ambos possam se encaixar. O medo sentido por Michael (de que o amigo estivesse fingindo o tempo inteiro, de que cada abraço possa carregar uma intenção erótica) corresponde à definição de homofobia, no caso, o medo da diferença, e daquilo que não se conhece. Felizmente, o alvo do humor não é o rapaz gay, e sim o homem heterossexual, ignorante em relação à orientação alheia. “Devo comprar um bolo e balões para ele?”, pergunta Michael, inseguro após o coming out do amigo.
No entanto, o roteiro logo elege o amigo heterossexual como protagonista desta grande revelação. Esta não é tanto a história de um garoto saindo do armário quanto a narrativa de um jovem hétero, decidindo se aceita ou não esta orientação. A decisão de transformar a homossexualidade de Matty em algo sujeito à aprovação de terceiros é contraproducente, isso sem falar na decisão de tornar Michael um sujeito melhor quando decide acatar a vida afetiva do amigo – vide a cena do baile de formatura. No final, o protagonismo e o lugar de fala ainda são heterossexuais dentro do filme que diz: “Ei, aceite seu amigo gay, não existe problema algum”. Apesar da evidente boa intenção, a comédia perde a oportunidade de enxergar o mundo pelo olhar do rapaz gay, como foi o caso, por exemplo, do recente Com Amor, Simon. Aqui, a homossexualidade ainda vista por terceiros. Em outras palavras, a naturalidade com que Matty vive sua própria homossexualidade não se transmite ao filme como um todo.
Além disso, o resultado é seriamente prejudicado por escolhas fracas de direção. Primeiro, para um filme supostamente solidário aos gays, talvez não seja uma boa ideia esconder a homoafetividade (beijos, abraço, sexo entre homens) com tanta vergonha quanto Chris Nelson o faz. Se um cineasta (ou ator) não está pronto para filmar o momento de dois homens juntos, talvez não esteja pronto para embarcar num projeto sobre este tema. Segundo, não é uma boa ideia tratar os gays efeminados como alívios cômicos sem interesses amorosos – este é outro clichê que o cinema progressista precisa urgentemente combater. Por mais louvável que seja demonstrar figuras de pais e professores carinhosos (Nick Offerman e Megan Mullally cumprem muito bem este papel), ainda é preciso abraçar a diversidade dentro do espectro LGBT com o mesmo respeito demonstrado aos gays heteronormativos – e isso vale para a cena fetichista da garota (Sarah Hyland) bissexual e promíscua.
Mas talvez Saindo do Armário seja mais enfraquecido pelas escolhas cinematográficas do que propriamente políticas. Nelson demonstra dificuldade em imprimir ritmo cômico, fazendo diversas piadas se perderem seja pela repetição (o frango, o brownie) ou pelo desenvolvimento insuficiente (a aproximação com Lars, a descoberta do professor gay). Neste mar de planos e contraplanos, trilhas sonoras básicas para a transição entre cenas e aceleração de cortes em modo programa da MTV, sobra pouco espaço para simplesmente observar os personagens em seu cotidiano. Qualquer retrato da amizade e da orientação sexual se torna muito mais pungente quando se investiga a psicologia dos personagens, seus desejos para o futuro, sua relação com os pais, sua maneira de encarar o sexo. Aqui, os protagonistas mais falam do que realmente fazem, e não são os pobres coadjuvantes Em (Dakota Johnson) e Lars (Brian Geraghty) que provarão o contrário.