As inquietações de Xavier e Magneto sustentam o filme, que desperdiça vilão. Depois de tantos personagens ‘do bem’ brigando entre si nos cinemas nos últimos meses, chegou a hora de deixarmos um pouco de lado a tão requisitada pergunta “De que lado você está?” e voltarmos nossas atenções para a velha fórmula dos mocinhos unidos contra um mal maior, em X-Men: Apocalipse, embora este novo longa também apresente confrontos entre heróis, mas em uma escala de importância pífia. Quanto ao vilão, depois de ter causado tanta expectativa desde que foi visto na cena pós-créditos do empolgante X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido, é tremendamente decepcionante constatar que ele se mostre tão insosso, não fazendo jus ao fato de seu nome ter sido acrescentado ao título do filme sugerindo um ‘perigo transcendental sem precedentes’.
En Sabah Nur, também conhecido como Apocalipse, supostamente seria o primeiro mutante do planeta. Na belíssima introdução do longa, embalada por imponentes corais épicos compostos pelo (ótimo) John Ottman, vemos pirâmides que foram erguidas sobre o deserto do Egito a serviço do referido ser, que se intitula um deus, e é tratado como tal pelo seu povo. Mas sempre que há devoção cega a um governante tirano, também se levanta uma resistência. Assim, algo dá errado nos planos do vilão, o que resulta em sua hibernação por eras... até ser despertado no ano de 1983 e decidir que este novo mundo precisa ser ‘purificado’ e governado por ele. Começa, então, sua escalação para aqueles que serão os Quatro Cavaleiros do Apocalipse: Tempestade (Alexandra Shipp), Anjo (Ben Hardy), Psylocke (Olivia Munn) e... Magneto (Michael Fassbender). Enquanto isso, os caminhos de Mística (Jennifer Lawrence), Noturno (Kodi Smit-McPhee) e Mercúrio (Evan Peters) os levarão ao Professor Xavier (James McAvoy) que acaba de receber em sua escola um novo recruta, Scott Summers, o futuro Ciclope (Tye Sheridan). Caberá a eles, juntamente com a também novata Jean Grey (Sophie Turner, de Game of Thrones) e o Fera (Nicholas Hoult) deterem o mutante milenar, que se apresenta como uma ‘terrível’ ameaça.
A palavra ‘terrível’, utilizada para se referir ao antagonista, neste caso é no sentido mais terrível mesmo. Nas HQs, este personagem é um dos maiores vilões de toda a história dos X-Men, tendo sido responsável por sagas memoráveis. Isso só aumenta o desapontamento de vê-lo na tela de forma tão descaracterizada, beirando o ridículo, e com intenções tão infantilmente megalomaníacas, comprometendo de maneira drástica as grandiosas pretensões do filme. As atitudes do vilão lembram muito mais A Múmia que antagonizou com Brendan Fraser! Quanto a seu intérprete, Oscar Isaac, ele não pôde fazer muito com o figurino e a maquiagem pesada que lhe deram. É quase inacreditável que aquele tão carismático piloto da resistência rebelde visto em Star Wars – O Despertar da Força tenha sido interpretado pelo mesmo ator que ‘dá vida’ a esse mutante ancião que, como foi exaustivamente alardeado desde o surgimento de sua primeira foto, realmente se assemelha àqueles vilões de seriados japoneses que ficavam sempre nas suas bases secretas, assistindo aos combates de longe, e só apareciam em campo pra valer mesmo nas batalhas dos episódios finais. Se a Marvel Studios fez um irretocável Thanos digital, porque a Fox não poderia ter feito o mesmo com o Apocalipse?
Há ainda outro aspecto que incomoda, e é um problema crônico que ocorre desde o primeiro filme da série, lançado em 2000 e dirigido pelo mesmo Bryan Singer que, com este novo episódio, já soma quatro filmes da franquia “X” sobre seu comando. Personagens interessantíssimos das HQs, na transposição para o cinema, são reduzidos a meros coadjuvantes, quase figurantes. Isso tem ocorrido, por exemplo, com a Tempestade em todos os filmes anteriores em que apareceu. Agora o roteiro bem que tentou uma nova abordagem para ela, mas ainda não foi desta vez que convenceu... O maior descaso, contudo, fica por conta do tempo (que não foi dado) à Psylocke: apesar de seu visual sensacional, fidelíssimo aos quadrinhos, e de cenas de ação convincentes, ela praticamente entra muda e sai calada... Citando novamente a Marvel Studios, eles conseguiram fazer um filme com DOZE personagens principais, e TODOS foram desenvolvidos! Já a Fox optou por valorizar a face, literalmente, de Jennifer Lawrence (que se encontra no auge de seu merecido sucesso) ao dar-lhe nesta história um protagonismo desnecessário, aumentando descaradamente seu tempo em cena de ‘cara limpa’ e, em contrapartida, utilizando o rosto azul de sua personagem o mínimo possível.
Por falar em azul, o jovem Noturno constitui um interessante alívio cômico, mas nada que se compare ao Mercúrio, o velocista novamente vivido com extremo carisma por Evan Peters. Assim como aconteceu no longa anterior, suas cenas em supervelocidade/slow motion, desta vez ao som de Sweet Dreams, do Eurythmics, se sobressaem. É de longe o momento mais divertido do filme. Outra música da trilha sonora, bem como a cena que ilustra, merece menção: trata-se de uma impactante e ao mesmo tempo lírica sequência envolvendo ogivas nucleares, que se desenvolve enquanto ouvimos a dramática Sétima Sinfonia de Beethoven. A reconstituição da época em que a história se passa também é digna de elogios. E este parágrafo de qualidades do filme não poderia deixar de render aplausos à aparição ‘surpresa’ de Wolverine (Hugh Jackman, claro), para delírio ensandecido da plateia.
Ainda que X-Men Apocalipse se proponha a dar um (necessário) novo fôlego à série, com tantos personagens ‘debutantes’ sendo reintroduzidos, os maiores destaques vão mesmo para os ‘veteranos’ Xavier e Magneto. Este último, vivido com intensidade por Michael Fassbender, nos oferece as cenas mais dramáticas do filme, deixando outra comovente metáfora (seguindo o padrão da série) acerca do preconceito, da violência que gera violência, e da busca inútil por uma utópica e inexistente paz.
Tecnicamente, a pirotecnia do longa oferece o que se espera, mas um filme não é feito só de efeitos e, graças aos dois personagens acima citados, seus excelentes intérpretes, e seus arcos bem desenvolvidos pelo roteiro de Simon Kinberg, X-Men Apocalipse consegue proporcionar alguma emoção em meio a toda a catarse gerada por CGI. O tão badalado vilão? Ao sair da sala de projeção, você já terá se esquecido dele. Resta saber se o elenco estreante conseguirá segurar a onda daqui para frente nesta franquia que, afinal, tem se mostrado muito confusa, em busca de uma identidade própria que ainda não alcançou por completo. Não seria um bom momento para a Fox se espelhar um pouco mais nos moldes da Marvel Studios?