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    A Pelada
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    A Pelada

    Masculino ou feminino

    por Bruno Carmelo

    Muitas comédias populares que chegaram aos cinemas brasileiros recentemente têm apostado nas piadas sobre estereótipos sociais, fazendo escárnio com a figura dos negros, gordos, gays, nordestinos, deficientes, homens machões, mulheres submissas etc. Na maioria dos casos, o humor se mostra preconceituoso, reforçando visões depreciativas. Mas quando se ataca esses filmes, a resposta costuma ser a vitimização: “Mas é só uma piada”, “Não é feito para ser levado a sério”, “Estão querendo impor o politicamente correto” etc. Diante do painel pouco encorajador das comédias populares, chega a ser um alívio assistir a um filme como A Pelada.

    Não que a obra sergipana seja uma revolução no tratamento das minorias - longe disso. Mas o roteiro singelo consegue brincar com essas visões cristalizadas de homem e mulher de modo leve e respeitoso. Na história, Caio (Bruno Pêgo) tem fama de mulherengo, construída mais pelas histórias que inventa do que realmente pela vivência com as mulheres. Sua esposa, Sandra (Kika Farias), é uma mulher religiosa e conhecida como recatada. Mas no fundo, Sandra deseja apimentar a relação com uma transa a três, enquanto Caio tem uma porção de dúvidas e tabus em relação ao sexo. Trabalha-se na simples reunião de opostos, atribuindo a cada gênero a característica que se acredita socialmente ser “natural” ao gênero alheio.

    O que poderia se tornar um festival de caricaturas é tratado com uma agradável ternura. Sandra não é a mulher fogosa e ninfomaníaca (como certas mulheres de certos filmes de sucesso nacionais recentes), Caio tampouco corresponde ao homem predador. Ambos se sentem obrigados a cumprir um papel diante da sociedade, e não têm coragem de admitir um ao outro os seus próprios desejos. Enquanto isso, cada um encontra nos amigos de orientações sexuais diversas a plena satisfação sexual: Sandra tem um amigo gay, muito feliz em seu namoro, e Caio conhece uma bela garçonete lésbica, bem resolvida sexualmente. Ou seja, nesta história, são os heterossexuais que vivem angustiados, enquanto as minorias estão muito bem com seus próprios corpos e prazeres.

    Os atores contribuem amplamente para o sucesso desta empreitada. Ao invés de variarem entre registros extremos (a mulher frígida tornando-se subitamente desejosa), os dois protagonistas compõem seus personagens de modo gradual e realista. Kika Farias atribui um pouco de malícia aos seus diálogos mesmo nos momentos mais introspectivos, e Bruno Pêgo transparece a insegurança quando tenta convencer os amigos. Tuca Andrada também faz uma participação notável, com boa composição de personagem.

    Tecnicamente, o filme é bastante limitado, com uso pouco desenvolvido dos recursos de iluminação, montagem e enquadramento. A direção do belga Damien Chemin é funcional, mas não muito inspirada. O cineasta consegue captar um senso de farsa burlesca e teatral, nada sofisticada na composição de imagens, mas razoável para uma comédia sem grandes pretensões estéticas. O fato de A Pelada ser a primeira coprodução da história entre o Brasil e a Bélgica não traz frutos visíveis em tela, já que as imagens não comportam qualquer indício de uma cultura alheia.

    Aliás, a produção tenta se impregnar da cultura sergipana, no intuito de criar um sucesso regional equivalente ao de Cine Holliúdy no Ceará. No entanto, o uso dos cenários e costumes locais é limitado, sem falar no fato de que o público sergipano é menos numeroso do que o cearense. O título infeliz também não ajuda na carreira comercial - “A Pelada” sugere um erotismo que a trama não possui, ou eventualmente um tom futebolístico que também não existe. Mas os espectadores que forem ao cinema passarão um momento divertido com uma rara comédia popular que não insulta a inteligência do espectador.

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