O novo sempre vem
por Renato HermsdorffLogan (já) é um marco no universo das adaptações cinematográficas dos quadrinhos. Repleto de simbolismos, o longa de James Mangold opõe passado e presente, juventude e velhice, saudosismo e novidade para fazer a passagem de bastão do icônico Wolverine (Hugh Jackman) para a nova geração de Laura Kinney / X-23 (Dafne Keen). Depois de 17 anos – e nove vezes no papel –, o filme é a despedida que Jackman (caso não volte a viver o personagem, como já anunciou) merecia.
Passado em 2029, acompanhamos os efeitos colaterais de Logan ter sido Wolverine por tanto tempo. Ele ganha a vida como chofer de limousine para cuidar do nonagenário Charles Xavier (Patrick Stewart) e, para isso, conta apenas com a ajuda do frágil Caliban (Stephen Merchant). Debilitado fisicamente, esgotado emocionalmente, Logan é procurado por Gabriela (Elizabeth Rodriguez), uma mulher mexicana que requer a ajuda do ex-X-Men. Ao mesmo tempo em que se recusa a voltar à ativa, ele é confrontado por um mercenário, Donald Pierce (Boyd Holbrook), interessado em “algo” que Gabriela “possui” (a menina Laura Kinney / X-23, claro).
A produção é baseada na minissérie de quadrinhos “Velho Logan”. E antes que os fanboys acusem o filme de “infidelidade”, vale lembrar que desde o princípio dos tempos (ou do boom iniciado por X-Men - O Filme em 2000), os universos/ cronologias das versões cinematográficas há muito não batem, sobretudo por questões comerciais (enquanto a Fox detém os direitos sobre os mutantes, a Marvel é dona do Capitão América e Hulk, por exemplo, personagens centrais da HQ original). A X-23, por sua vez, surgiu na série animada e, devido ao sucesso, migrou para os quadrinhos, jamais coabitando o universo de “Velho Logan”.
A “confusão”, portanto, torna o exercício da adaptação ainda mais desafiador. Problema que Mangold, também autor do argumento de Logan, resolve com criatividade. Nada mais simbólico do que se despedir de um (na realidade “do”) Wolverine apresentando um (na verdade “uma”) outro Wolverine. Sim, como o codinome indica, a pequena Laura é a 23ª tentativa de se “produzir” um novo guerreiro(a) recheado(a) de adamantium.
Logan, o filme, não é o tipo de cinema pirotécnico que move pontes (sim, estamos alfinetando X-Men - O Confronto Final); está mais para aquele que prioriza o estudo psicológico de personagem (na linha Batman - O Cavaleiro Das Trevas). O longa não é exatamente a continuação dos (controversos) filmes-solo do Wolverine; funcionaria melhor como uma sequência de Os Brutos Também Amam (1953) – citado em Logan e, reza a lenda, fonte de inspiração para “Velho Logan”.
Os Brutos Também Amam, aliás, é um título (em português; no original é Shane) tão irônico quanto adequado ao destino de Logan. Violento até o último frame, a opção se justifica pelo passado amargo de Wolverine, ele mesmo submetido a um doloroso tratamento como cobaia em um experimento científico contra a própria vontade; que foi afastado de todas as pessoas por quem nutriu algum tipo de empatia. O sangue que jorra da fronte dos inimigos de Wolverine em Logan, portanto, não é gratuito. Se ele não foi poupado, por que o espectador o seria?
O tom amargurado, desesperançoso mesmo da vida - nessa fase da vida - é capturado com uma verdade de cortar o coração por Hugh Jackman. Não, ele não está amolecido. O que se vê impresso na tela não é sentimentalismo. É sentimento.
Se Wolverine não é novidade para o grande público, por outro lado, a entrada da genial Dafne Keen como Laura Kinney / X-23 é o grande trunfo do filme. Acuada, violenta como seu predecessor, ela é uma adorável besta-fera, que desperta sentimentos conflitantes no público quando vemos uma criança (uma menina!) decapitar um desafeto com impressionante “verdade”. Difícil imaginar Dafne em outro papel. Talvez ela esteja fadada a reprisar o personagem por mais 17 anos – ou nove filmes (e isso não é uma reclamação).
Se a franquia X-Men se diferenciou de seus pares por seu subtexto metafórico (impossível não se lembrar de Bobby Drake – Shawn Ashmore – “saindo do armário” como mutante para os pais em X-Men 2), Logan é o capítulo final na curva ascendente do nível de sofisticação de roteiro dos filmes do gênero. Aliás, que gênero? Um filme de super-herói, um road movie, um faroeste, um drama familiar, uma carta de despedida, um novo recomeço, que ensina a “não ser aquilo que fizeram de você”. Enfim, um filme. Um grande filme. Sem rótulos.