O homem que não ri
por Francisco RussoMala. Insensível. Ranzinza. Cineasta frustrado. Sabe nada. Pessimista. Arrogante. Coração gelado. Odeia filme popular. Todos os estereótipos tão utilizados na figura do crítico de cinema podem ser aplicados a Victor Tellez (Rafael Spregelburd, em boa atuação), personagem principal da comédia O Crítico. Não é à toa: Victor é daquelas pessoas de mal com a vida, antissocial ao extremo, que segue à risca o ditado antes só do que mal acompanhado. Nada é bom o suficiente e, idealista, acredita que é seu dever alertar o público sobre as porcarias exibidas nas telonas. A questão é que, para ele, praticamente tudo é uma porcaria. “O cinema está morto”, diz logo no início. O apelido de “homem que não ri” não é à toa.
Nem todo crítico de cinema é que nem Victor Tellez, por mais que algumas características sejam facilmente reconhecidas por quem está ou esteve ligado ao meio do jornalismo cultural. O diretor Hernán Guerschuny é um deles. Editor de uma revista cultural na Argentina, onde também publica críticas, Hernán conhece bem o meio abordado em seu filme de estreia e, justamente por isso, resolveu exagerá-lo ao máximo para, mais do que falar sobre a função do crítico, tratar dos clichês. É justamente esta abordagem que torna o roteiro do longa-metragem tão interessante.
Na verdade, O Crítico é uma comédia romântica que tem por objetivo desconstruir e fazer piada em cima da fórmula mais que batida envolvendo o gênero. Para tanto, utiliza como personagem principal um especialista na sétima arte que, privilegiando sempre a razão em detrimento da emoção, percebe em detalhes tudo o que está acontecendo à sua volta mas, ainda assim, não consegue impedir o que tanto critica por um único motivo: a vida, em certos momentos, é clichê. Especialmente quando se está apaixonado.
É claro que cada relacionamento possui nuances diferentes e bem particulares, mas o olhar brilhando, a vida vista sob uma ótica mais cor de rosa e até o aflorar das emoções de maneira incontida são universais. É a partir destas mudanças de espírito, naturais e ao mesmo tempo tão estranhas para alguém como Victor, que o roteiro se equilibra. Ao mesmo tempo em que aborda esta transformação, O Crítico ainda diverte bastante ao retratar situações tão pitorescas, e até comuns, envolvendo o universo dos críticos de cinema.
Leve e sofisticado, O Crítico é um filme divertido por tão bem retratar um olhar cínico e as mudanças paulatinas decorrentes da própria vida, ressaltando a todo momento os clichês sem medo de sucumbir a eles. Por mais que seja facilmente compreendido por todo tipo de público, quem é do meio tem ainda como bônus certos comentários sagazes sobre os meandros do jornalismo cultural e do próprio cinema.
Filme visto durante a cobertura do 42º Festival de Gramado, em agosto de 2014.