Um ‘clássico’ com cara de novidade (ou o contrário)
por Renato HermsdorffSaoirse Ronan estava na virada dos 12 para os 13 anos quando recebeu sua primeira indicação ao Oscar. Ela concorreu à estatueta de atriz coadjuvante pelo papel de Briony Tallis, a menina de imaginação fértil que ferra com a vida do casal Robbie (James McAvoy) e Cecília (Keira Knightley), acusando-o de um crime que ele não cometeu, em Desejo e Reparação (2007). Um filme de época (se passa em 1935), baseado no romance do escritor contemporâneo Ian McEwan, por sua vez, muito comparado com o universo de Jane Austen.
Pois quase dez anos depois, a atriz, hoje aos 21 para 22 anos, brilha, num registro entre a inocência e a sagacidade, como a protagonista de Brooklyn, um filme de época (se passa no início dos anos 1950), baseado no romance do escritor contemporâneo Colm Tóibín, por sua vez, muito comparado com o universo de Jane Austen (também).
No filme do pouco conhecido John Crowley – que assumiu a direção de dois episódios da última temporada de True Detective –, Saoirse é a irlandesa Eilis Lacey. Com poucas perspectivas em seu país, a tímida menina embarca, a convite do padre Flood (Jim Broadbent), para a “América”, terra das oportunidades (atenção à época), deixando, a contragosto, a mãe viúva e a irmã, a quem é muito apegada, para trás.
Chegando lá, se estabelece, claro, no bairro do título, arrumando um quartinho na pensão da senhora Kehoe (retratada pela veterana Julie Walters, que tem as melhores falas do filme, sacadas hilárias, sempre à mesa das refeições). Eilis arruma um emprego, começa a estudar e, bem à moda antiga, engata um namoro com o ítalo-americano Tony, vivido por Emory Cohen, ótimo (preste atenção no garotinho que vive o irmão mais novo do personagem).
O envolvimento (paquera, flerte, corte: pergunte um sinônimo bem velho para a sua avó) entre os dois é abordado com uma delicadeza de marejar os olhos. Até que... ela se vê obrigada a voltar, temporariamente, para a terra natal, onde, para a surpresa da personagem, tudo de... bom acaba por acontecer lá também.
A falta de conflito num cenário onde o conflito está determinado como essência é um dos maiores trunfos do filme/ livro homônimo no qual Brooklyn é baseado, mérito do roteiro do escritor Nick Hornby. Autor
dos romances “Alta Fidelidade” e um “Um Grande Garoto” (que deram origem aos filmes homônimos), ele vem se especializando na escrita para o cinema (Educação, Livre) e é de se estranhar que tenha assumido a adaptação de uma obra de época, na qual se sai muito bem.
O que tinha tudo para ser um dramalhão daqueles ganha contornos de leveza nas mãos de Hornby, que adiciona mais humor ao texto original. O resultado é delicado, sem ser meloso.
Contribui para a experiência do filme, ainda, a reconstituição da época, dos cenários ao figurino caprichado, lindamente fotografado por Yves Bélanger (Clube de Compras Dallas). Um ‘clássico’ com cara de novidade (ou o contrário).
Filme visto no 40º Festival Internacional de Cinema de Toronto, em setembro de 2015.