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    Terra Estranha
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Terra Estranha

    Um bom thriller diluído em melodrama e moralismo

    por Rodrigo Torres

    Nicole Kidman possui um tabu curioso: desde que estrelou o suspense Terror a Bordo e carimbou seu passaporte para Hollywood, a atriz australiana não volta à sua terra-natal e faz um bom filme. Seu novo trabalho — de título sugestivo —, Terra Estranha até ensaia isto ao bem explorar o mesmo gênero do thriller de 1989; quando descamba para o melodrama de Austrália, por exemplo, o longa-metragem se perde e endossa a sina de sua protagonista.

    O título Terra Estranha diz respeito à cidadezinha no meio do nada aonde uma família tem de se mudar por causa de um problema particular da filha mais velha. As roupas curtas e o comportamento insinuante de Lily (Maddison Brown), 15 anos, não deixam margem para muita complexidade (recorrência dos personagens) e tensionam um moralismo geral no filme; porém, movem a trama para o seu conflito inicial: o truculento pai, Matthew (Joseph Fiennes), não aceita os modos da filha, e um dia ela some com o irmão mais novo, Tom (Nicholas Hamilton).

    A estreia em longas-metragens de Kim Farrant tem um início promissor. Além do elenco de peso, a cineasta tem a companhia de uma ótima equipe técnica, responsável por uma direção de fotografia e um desenho de som competentes na construção de uma atmosfera de tensão. Quando Matthew e Catherine (Kidman) saem de carro em busca dos filhos desaparecidos, eles se deparam com uma tempestade de areia que reflete o clima de hostilidade daquele local estranho, o estado de espírito geral daquela família, o mistério inerente à sua situação — enfim, suscita uma gama de sentimentos com boa resolução narrativa e visual. Infelizmente, a projeção avança e o exercício cinematográfico de Farrant empobrece.

    Durante a investigação do detetive Rae (Hugo Weaving, em muito boa atuação), diversas questões vêm à tona e são todas desperdiçadas. O melodrama toma conta, e em sua acepção negativa, já que o roteiro apenas ventila tabus como abuso sexual, incesto e ninfomania, visando ao choque leviano. Quando o misticismo aborígene é atirado na trama, a imagem seguinte é um plano geral dos cânions australianos, como que suficientes para evocar uma sensação de mistério minimamente consistente. Eis o melhor exemplo da plena ruptura criativa de Terra Estranha, incapaz de repetir a tão bem-sucedida atmosfera de suspense de seus primeiros minutos.

    O maior revés do debute de Kim Farrant, por fim, é sua incapacidade de resolver as questões principais do filme. Se o desaparecimento de Lily e Tom fica em segundo plano e se encaminha iminentemente para um desfecho insatisfatório, a personagem de Nicole Kidman, Catherine, assume seu protagonismo de maneira sofrível. Não por culpa da atriz, que se esforça, chora, se descabela literalmente. Mas pela péssima concepção de uma mulher que somatiza a perda da filha vestindo suas roupas e despertando para um desejo sexual reprimido há anos — numa sequência de também deslocada sugestão onírica.

    Diante de tal incapacidade de abordar tantos subtemas sérios, pelo moralismo latente do roteiro de Michael Kinirons e Fiona Seres, Kim Farrant poderia ter tratado Terra Estranha como um filme de menor ambição; como o thriller simples e bem resolvido (visual e narrativamente) de sua primeira metade.

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