No piloto automático
por Francisco RussoSe é inegável que a Pixar revolucionou a animação nas telonas, seja pelo lado estético ou mesmo graças à criatividade de suas histórias, fato é que, desde que foi adquirida pela Disney, a empresa tem investido mais e mais em sequências que, apesar de renderem muito dinheiro e até divertirem, pouco trouxeram de novo - Universidade Monstros e Procurando Dory estão aí como prova. Carros 3 é o mais recente exemplar desta linha, com o agravante de ter como antecessor um dos filmes mais contestados da Pixar, seja pela infantilização exagerada ou pela devoção implícita à indústria petrolífera. Entretanto, como a franquia se tornou um carro-chefe de vendas, produzir um novo longa-metragem tornou-se um caminho lógico, comercialmente falando. Esta é a única justificativa plausível para que mais esta sequência exista.
Não que Carros 3 seja ruim, mas é tão genérico que chega a surpreender que traga a assinatura Pixar. Há no filme um cansaço que afeta não só a narrativa em torno de Relâmpago McQueen, agora ameaçado de aposentadoria precoce, mas todos os coadjuvantes à sua volta: nenhum deles tem um mínimo destaque, sendo que muitos poderiam simplesmente ser cortados da trama - se estão lá, é por mera nostalgia/conexão com os longas anteriores. É o caso de praticamente toda a população de Radiator Springs, inclusive o amigo para toda hora Mate. Tudo que gira em torno da bucólica cidade serve, apenas, como refúgio seguro para o protagonista, em suas dúvidas decorrentes da ânsia constante por superar os oponentes.
Este, inclusive, é outro ponto contestável do longa-metragem. Por mais que pregue a importância de competir em detrimento do (alto) faturamento financeiro, McQueen está sempre obcecado em vencer - e não aceita sequer ficar em segundo lugar. Tamanha competitividade (e vaidade) vai de encontro à essência do esporte, por mais que tal questão seja maquiada pelo tom amigável do protagonista e o ambiente afável em que se encontra - completamente diferente do lado arrogante e depreciativo do rival Jackson Storm, apresentado logo em sua apresentação. Breves truques de roteiro, de forma a estabelecer de imediato quem é o herói e quem é o vilão, sem deixar qualquer dúvida ou possibilidade de reviravolta.
Dito isso, Carros 3 tem sua base narrativa calcada no confronto entre o natural e o artificial, tendo por base questões de idade. Se McQueen representa o velho e aquele cujo dom foi lapidado através de treinos "à moda antiga", Storm é o novo criado em laboratório, a partir de equipamentos que aprimorem seus reflexos nas pistas - de certa forma, a competição entre eles lembra o duelo exibido em Rocky 4. A inevitável decadência física trazida pela idade também é considerada, assim como reflexos que a falta de confiança traz - isto tudo dentro de um universo povoado por carros de todo tipo, é sempre bom lembrar. Dentro deste contexto, o filme traz ainda um sem-número de termos automotivos adaptados para este cotidiano que, por mais que sejam curiosos aos aficcionados por carros, quase sempre soam gratuitos para a história como um todo.
Bastante didático e esquemático, Carros 3 apenas obtém algum destaque quando, já em seu terço final e de forma inusitada, aborda o preconceito de gênero através da novata Cruz Ramirez - não por acaso, de minoria latina. Até lá, o filme se sustenta apenas na sempre competente animação produzida pela Pixar em uma trama que aborda a difícil decisão da aposentadoria para um esportista, sem jamais conseguir provocar qualquer emoção. O que se vê na telona é tão trivial, tão genérico, que é inevitável a sensação de mais do mesmo, em relação aos filmes anteriores da franquia.
Pode até ser que Carros 3 atinja seus objetivos comerciais, mas está muito longe da excelência narrativa que consagrou a Pixar. O que se vê aqui é um filme preguiçoso, se aproveitando de personagens conhecidos para oferecer uma continuidade sem muita inspiração. Apenas razoável, muito pela abordagem final e o lado técnico da animação.