Latinos unidos jamais serão vencidos
por Taiani MendesFilho de Alfonso Cuarón, Jonás Cuarón tem carreira de dez anos dedicada a filmar a complicada relação entre mexicanos e estadunidenses. Año Uña (2007), seu primeiro longa-metragem, é uma história de amor iniciada no litoral do México. Deserto, o mais recente, toma direção oposta ao retratar o ódio xenófobo do conservador norte-americano. O personagem de Gael García Bernal integra um grupo que tenta entrar ilegalmente na “Terra das Oportunidades” guiado por dois coiotes, até que a caminhonete em que estão para de funcionar, obrigando uma mudança de rota. No percurso alternativo, mais arriscado, os latinos acabam perseguidos implacavelmente por um sanguinário justiceiro patriota (Jeffrey Dean Morgan).
A trama simples consiste exatamente nisto, o atirador abatendo todos os invasores que encontra e os remanescentes tentando escapar. Correr da patrulha da fronteira, se hidratar, atravessar o deserto e entrar de fato nos Estados Unidos são coisas que vão para segundo plano. O primordial torna-se sobreviver e curiosamente ninguém cogita voltar. Direto em sua mensagem, o filme não trabalha com sutileza e tampouco se preocupa em fugir de estereótipos. Pelo contrário. O vilão é construído por partes: primeiro o veículo de perseguição, depois a tatuagem de arma, a calça militar, o cão de caça, o chapéu de cowboy. O heroico protagonista solidário se chama Moisés (como o guia da Bíblia) e seu inimigo é um Sam sem sobrinhos, totalmente apaixonado por seu violento cachorro - e sensibilizado apenas por ele. O personagem vivido por Gael aparece pela primeira vez num momento de constrangimento e na sequência logo vira o jogo para uma posição de poder, “reviravolta” que se repete ao longo do thriller.
Não bastassem os planos que não dão margem para qualquer outra leitura, como o homem branco imponente no alto da pedra com arma em punho, Jonás acha necessário também explicitar tudo em palavras e o público é obrigado a ouvir o atirador narrando seus próximos passos e expondo toda sua hostilidade aos vizinhos em diálogo com o cão Tracker. É crível tendo em vista que ele aparenta ser um lobo solitário, pega sol forte na cabeça, está sempre bebendo e provavelmente tem o animal como única companhia? Sim. Contribui dramaticamente? Não. Da mesma forma, é totalmente dispensável o trecho em que Moisés compartilha sua história puramente para emocionar. Deserto funciona muito melhor quando o diretor e roteirista deixa os dramas pessoais subentendidos e foca no tenso jogo de gato (+ cachorro) e ratos, que por si só já diz bastante a respeito das questões políticas e sociais envolvidas.
Bem conduzido a maior parte do tempo, o macabro pique-esconde com disparos e mordidas prende a atenção do espectador. Tirando vantagem da locação, a fotografia de Damian Garcia faz lembrar desde a primeira sequência os trabalhos de Emmanuel Lubezki (colaborador frequente de Alfonso), especialmente nos planos abertos de céu indescritível e elementos isolados na natureza tão intimidadora quanto admirável.
Como seu pai, Jonás coloca o título do filme na tela no início e no fim. Como em Gravidade, que tem roteiro dos dois, a imersão no suspense é quebrada por recordações familiares que visam a indução ao choro e explicam mais do que o público precisa saber. Deserto não necessita de profundidade e cansa justamente no que deveria ser o clímax, a grande perseguição final, espelhando o esgotamento dos sobreviventes. Não há reflexão a respeito da imigração, somente exposição de motivos. O objetivo é ilustrar a xenofobia para o público das tramas de ação e nisso Cuarón é bem-sucedido, ainda que redundante. É duro crer no timing terrível do ursinho, porém o mais assustador é a verossimilhança da brutalidade.