Um filme envolto numa camada de delicadeza sensibilidade e com um sincero título de singelo. Este é ‘Hoje Eu Quero Voltar Sozinho’.
Quando uma amiga me disse de um curta sobre um menino cego numa frase repleta de elogios, a primeira coisa a qual eu perguntei foi “é francês?”. Sou uma daquelas defensoras do cinema nacional que briga com unhas e dentes quando ouço que todo filme brasileiro “é uma bosta”, mas admito que fui bem preconceituosa em pensar que um filme tão sutil como aquele só pudesse ser francês. Quando ela disse “não, ele é Brasileiro, daqui de São Paulo! E vai virar longa“ eu pensei “ Meu Deus, tenho que ver esse filme!”.
Foi amor à primeira vista – ironicamente – foi só ver os atores em cena pra me apaixonar. Foi encanto por cada mínimo detalhe, por cada personagem, por cada fala. Aquele universo singelo me cativou de uma forma inexplicável e desde então passei meus dias contando as horas para ver o longa.
Quando vi o trailer na TV meu coração deu um salto e então fui atrás pra saber onde estaria em cartaz. Em três cinemas aqui em Belo Horizonte, somente em centros culturais que ficam no centro da cidade, lugar onde minha mãe não me deixaria ir sozinha em hipótese alguma. Então eu a chamei para ir ver comigo mostrei o trailer e tudo que eu disse foi que era um filme sobre um menino cego, baseado num curta maravilhoso que eu não me cansava nunca de assistir.
Ao ver os personagens naquela tela gigante de cinema de novo, eu me apaixonei por eles mais uma vez. A cada fala um suspiro tanto encanto por tanta pureza. O filme, assim como a curta metragem é de uma sensibilidade gigantesca, e isso não está apenas presente no roteiro, mas também na fotografia e na trilha sonora, ambas leves. A fotografia em tons suaves e que te passam calma ao olhar, e a trilha sonora deliciosa aos ouvidos, fazendo referencias a música clássica esquecida pelos jovens, e equilibrando com a MPB de Mallu Magalhães, Cícero, Marcelo Camelo e Tatá Aeroplano. E o que dizer sobre as atuações? Fantásticas! Um grupo de iniciantes que deram um show. Ghilherme Lobo te convence que realmente não enxerga, Fabio Audi traz um toque de maturidade à trama e um destaque a Tess Amorim que esteve incrível, marcando um progresso lindo desde o curta. Isso sem contar com os personagens secundários.
O maior número de personagens, a maior duração, e o intervalo entre o lançamento do curta e do longa, tudo isso contribui para uma maior complexidade e maior maturidade dos personagens e para história em si. O conflito entre Léo e sua mãe super protetora surgiu, sua ansêa por liberdade– de maior intensidade devido à cegueira – presente na vida de todo adolescente também e o preconceito sofrido por ele por ser cego ganhou vida e maior destaque. A verdade é que em 96 minutos a história ganhou todo um esqueleto toda um universo próprio e uma complexidade tremenda. E a melhor parte é que mesmo com o protagonista sendo cego, com desespero de libertar dos grilhões da sua realidade, sofrendo “bullying” – não sou muito fã desse termo – e se descobrindo mais tarde gay, em momento algum a história se torna um dramalhão cheio de auto piedade digno de lágrimas. Ao contrário, o filme trata com uma naturalidade tremenda e sem nenhum desconforto temas que podem ser vistos por de traz numa camada escura e pesada. Quando Gabriel pergunta se Leo já viu um vídeo famoso, ou o chama para ir ao cinema sem se lembrar que Leo é cego, em vez de uma situação desconfortável surgir, os dois riem . Diferente da maioria das produções sobre sexualidade os personagens não entram em conflito interno, sentem medo ou tentam fingir que não sentem o que sentem.
O traço que mais me chamou a atenção não só no filme, mas em outras produções de Daniel Ribeiro, é que em momento algum a homofobia é citada, ou ao menos posta em pauta, pelo simples fato que Daniel encara a homossexualidade com naturalidade enxerga apenas como amor entre duas pessoas. Os personagens são gays e só, a história não gira em torno disso. Isso é só uma característica deles, como a cor dos olhos ou o comprimento do cabelo. O filme gira em torno das relações de Léo com os outros personagens, com sua família e seus amigos, suas dificuldades como deficiente visual. Como em “Café com Leite” que a história não é sobre o relacionamento homo afetivo dos personagens, e sim sobre a dificuldade que o protagonista encontra em cuidar do irmão mais novo quando eles perdem os pais.
Senti um orgulho imensurável quando saí do cinema e vi uma fila enorme para a próxima sessão. Um orgulho gerado pelo fato de que um filme não comercial – ok, talvez um pouco comercial por tratar um assunto polêmico e falar de amor – estava atraindo tanta gente. A meu ver, a cultura atraindo tantas pessoas.
“Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” – título que sintetiza muito bem a luta por independência de Leo – é um filme maravilhoso sobre amor, singelo e sensível que vale a pena ser assistido repetidas vezes. Amor. Amor e nada mais. Assim, “There is too much love” torna-se uma escolha mais que perfeita.