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    Fragmentos de Paixão
    Críticas AdoroCinema
    1,0
    Muito ruim
    Fragmentos de Paixão

    O apresentador sem plateia

    por Bruno Carmelo

    Este documentário é dividido entre duas abordagens muito distintas. A primeira dela é a da reportagem científica, com cientistas explicando de maneira didática como são formados os raios, quais são as condições atmosféricas necessárias, e como o estudo do fenômeno evoluiu nas últimas décadas. Pequenos recursos de animação, desenhos e fotomontagem tentam tornar a apresentação leve e palatável. Curiosidades históricas encarregam-se de conferir uma aparência jovem e pop ao conjunto: Você sabia, por exemplo, que D. Pedro I era amedrontado por raios?

    A outra abordagem deste filme, praticamente oposta à primeira, vai em direção ao misticismo e ao deslumbramento diante da natureza. Imagens tentam captar os grandes clarões, fornecem números impressionantes para mostrar que o raio é algo excepcional, precioso, uma dádiva. O fato de vir dos céus, de amedrontar tanto os índios quanto os moradores das cidades contribui a essa espécie de respeito temeroso à Mãe Natureza, como se existisse algo que a ciência não fosse capaz de explicar. O acréscimo de significado viria da paixão, como diz o título: E se um raio pudesse fazer com que duas pessoas se apaixonassem?

    A hipótese é ridícula, mas apresentada com toda a seriedade do mundo por Osmar Pinto Junior, protagonista, narrador e cientista-chefe de Fragmentos da Paixão. Este senhor calmo e professoral, que combina o interesse pela ciência e com o interesse pela transcendência, dirige-se à câmera, ao espectador (como em um especial televisivo). Ele aparece nas imagens o tempo inteiro, é visto dando voltas pelas cidades, colocando os pés nus na areia da praia enquanto reflete sobre o mundo. Ele cita o seu cão, o seu amigo, a sua esposa, e passa mais tempo falando do que as pessoas entrevistadas por ele. O documentário é certamente muito pessoal para este homem, que ainda admite às câmeras ter sido o idealizador do projeto.

    Mas Osmar Pinto Júnior parece não ter pensado em como adaptar o seu conteúdo ao cinema. As imagens de Fragmentos da Paixão são marcadas por uma grande ingenuidade no que diz respeito à própria comunicação: Quem fala, de qual posição, e para quem? De qual maneira? Será que os espectadores vão se deslocar ao cinema, pagar o caro preço de um ingresso para ver um material tão didático, simples, que poderia ser facilmente encontrado na televisão ou Internet? Será que o espectador de cinema exige o mesmo conteúdo e forma que o público de outras mídias? Ou ainda: será que o tom pedagógico é o melhor para atrair eventuais fãs de raios (Quem são eles?), ou despertar interesse naqueles que ainda não conheçam o tema?

    Por fim, com seu título esdrúxulo e discurso mal direcionado, Fragmentos de Paixão incomoda por nunca pensar o cinema como forma de arte, apenas como um veículo a mais para as opiniões de Pinto Júnior. Não seria espantoso que o mesmo filme chegasse logo à Internet, streaming, VoD, DVD, televisão. A intenção é falar ao maior número possível, a todos que quiserem ouvir. Este filme lembra aqueles sujeitos que povoam as praças públicas, gritando bordões demagógicos aos passantes e esperando converter alguém. Talvez estes homens apaixonados até estejam dizendo algo interessante, mas a comunicação nunca é muito eficaz.

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