Ao assistir Ida, assisto a uma obra-prima singular do cinema contemporâneo. Não por apenas ser um retrato épico e raramente visto nos últimos tempos, mas por abordar de maneira tão realista e marcante a vida e o cotidiano de uma adolescente de 18 anos, vivendo num convento, e prestes a se tornar uma freira. A madre a obriga a visitar sua única familiar, a tia Wanda. E assim, nossa protagonista inicia uma jornada longa e intensa ao lado da tia, uma juíza temperamental e de meia-idade, que apenas quer viver a vida. O encontro de Ida e sua tia Wanda é algo bem diferente de tudo já visto. Ambas, vivendo em diferentes mundo, tomam a difícil iniciativa de se adaptarem ás condições necessárias para ter uma boa relação.
Filmado em plenos anos 60, Ida é uma história pouco usual, para ser sincero. O drama polonês é exigente, mas ao mesmo tempo, suave. Performances arrebatadoras, e revelações extraordinárias, assim como a jovem interprete de Ida, Agata Trzebuchowska, que também é o grande destaque do filme. Wanda começa a procurar pelo passado de Ida, cuja se atendia por Anna, começando pela morte de seus pais durante a Segunda Guerra Mundial, e no decorrer dessa viagem, as duas percebem que têm algo em comum. Algo a mais do que simplesmente os laços familiares e todas as diferenças que tanto as separam. Há uma conexão especial entre Ida e Wanda. Um selo. Algo que o filme exibe perfeitamente. A trama cuida afavelmente dessa relação humana tão própria entre essas duas mulheres, algo que particularmente, me emocionou em demasia. Ao longo de tal sentimento, me recordei desconhecidamente do clássico polonês, Faca na Água, de Polanski, mesmo sem ter nenhuma possível coincidência em relação á Ida. Percebendo isso, me senti mais confortável e seguro ao ter associado os dois filmes.
Porém, esta grande película, narrada em tão curtos 78 minutos, não se desenvolve apenas em sua história. Seu objetivo é bem maior e mais ambicioso. Por ser uma obra tão independente de efeitos artificiais, Ida consegue convencer o público utilizando pequenos recursos. Recursos que não são tão caros, mas são recursos á altura deste filme. A fotografia preto-e-branco a torna mais viva, e acho que isso foi o que mais me fascinou. Pelo menos, é o que eu realmente acho do filme. Foi uma das obras que mais me agradaram esse ano. Nem mesmo Garota Exemplar, Interstellar ou outros filmes grandiosos tiveram o mesmo impacto deste.
Um filme sentimental, lento, que busca refletir nas cenas minuciosas do trabalho impecável e árduo que foi fazê-lo, com tanto carinho e esmero. Um retrato absoluto dos limites entre a religião e a sociedade, e as divergências entre estes dois mundos tão próximos, com as mesmas necessidades e as mesmas intenções. Há certos momentos em que nossa protagonista silenciosa reflete sobre essa divergência, e então, percebe sua necessidade de observar o mundo ao redor. Ao final de Ida, a personagem principal, num devaneio surpreendente, se rende aos luxos abstratos que a rodeiam no presente, enquanto ainda tem dúvidas sobre sua religião e seu futuro dentro dela, como freira. Todos nós temos algum tipo de dúvida. Independente das mais diferentes precisões, a dúvida é existente, e persistente. Acredito que esse seja a principal mensagem do filme. Ida realmente me impressionou. Uma obra-prima inteligente, filosófica e belíssima, que busca analisar a vida dos mais diferentes ângulos, das mais diversas posições, dentro desta jornada tão universal, tão viva, tão plausível. Mostra que é preciso aceitar as diferenças para aceitar a vida, dentro das nossas duas protagonistas: Ida e Wanda. Sem medo, afirmo: um dos melhores filmes produzidos este ano. Pawel Pawlikowski filma uma grandiosa película, e que consagra sua talentosa maturidade cinematográfica. E declaro: a obra mais profunda feita esse ano. Não necessita de tantos artifícios para provocar a solene poesia visual que é.