Ao mostrar nosso convencido e egocêntrico Thor (Hemsworth) “dialogando” logo de inicio com os restos de ossos de um prisioneiro numa espécie de jaula, este mais novo filme do Universo Marvel já mostra como tem uma atenção especial para evidenciar características únicas em seus personagens – depois de tantas tentativas de humor que não deram tão certo antes (como o próprio filme anterior do herói), roteiristas e diretores acertam em cheio em sua dosagem e finalmente usam as piadas em favor da narrativa – parece que aprenderam com James Gunn em Guardiões da Galáxia – já que o diretor Neo-Zelandês Taiki Waititi (que também faz a voz do divertido “homem-pedra”, Korg) consegue fazer de sua estreia neste universo algo bastante eficaz, dando uma dinâmica até nova entre alguns conhecidos personagens e outros novos que também se mostram bastante interessantes e dotados de uma personalidade cativante.
Como qualquer filme de ação bem armado, Thor: Ragnarok já começa com os níveis de movimentação e humor no máximo – mostrando Chris Hemsworth demorando pra conversar com um maligno inimigo só porque está acorrentado e girando em sua frente – como um “bom cavaleiro”, Thor só conversa quando está de frente para alguém – enfim, cito isso apenas para marcar como o filme sabe tirando proveito dessas passagens, atingindo exatamente o objetivo que o longa e os demais deste universo querem atingir: divertir. E divertir bastante mesmo.
Desta vez, Thor volta a sua terra natal, Asgard. Ao constatar que seu “irmão de consideração” Loki (Hiddleston) está governando aquele mundo, ele imediatamente vai até a terra para encontrar o verdadeiro rei, seu pai, Odin(Hopkins). Entretanto, ao encontra-lo, Thor fica sabendo que a terrível Hela (Blanchett) pode desencadear o Ragnarok – o apocalipse do mundo de Asgard. Perdendo seu martelo duelando com a vingativa asgardiana, Thor se vê preso em um outro mundo, onde a guerreira Valkyrie (Thompson) entrega o herói ao excêntrico Grandmaster (Goldblum), que fará do Deus do Trovão seu escravo em um duelo de gladiadores mortal – onde vencer é o único jeito de Thor conseguir tentar salvar Asgard do domínio de Hela.
Tomando um rumo em que nunca havíamos visto nos filmes anteriores com o herói, ao mostrar o guerreiro precisando desenvolver habilidades para combate sem o seu famoso martelo, o roteiro de Thor: Ragnarok é ágil e bem desenvolvido em questões de ritmo – mas fica evidente uma certa quebra da narrativa (ou um certo “banho de agua fria” no espectador) logo após a tão esperada (e lamentavelmente entregue pelos trailers) cena onde Thor luta furiosamente com o Hulk de Mark Ruffalo – mostrando a capacidade cada vez melhorada do CGI para criaturas digitais, nunca vimos o Incrível Hulk tão expressivo antes (falarei mais sobre isso a frente) – mas é obvio que o corte a seguir para outra cena pausa o filme de um modo desnecessário – para mostrar um dialogo entre a Hela de Cate Blanchett (a talentosa atriz parece se divertir exaltando o ego e mania de grandeza da vilã, com uma ligação bastante importante com Odin e Thor, é claro) com o personagem de Karl Urban – que, infelizmente, tem um proposito pouco fluente para o filme – com e sem ele não há muita diferença – principalmente se levarmos em conta que seu personagem está no lugar do Heimdall de Idris Alba – inclusive este último e ótimo ator, por isso, acaba por aparecer pouco apenas depois do meio do filme.
Mas o que torna este terceiro Thor ainda atraente é justamente a dinâmica entre seus personagens – se chegam a ser hilárias, também pode se dizer que as cenas entre Hulk e Thor são bastante curiosas por mostrar um lado mais vulnerável de cada herói – no Hulk, torna-se diferenciado porque, desta vez, o personagem fica mais tempo como Hulk do que como Bruce Banner – e, ainda assim, o suficiente para Mark Ruffalo desenvolver bem os dois lados do famoso super-herói com sua conhecida forma contida de atuar.
Desta mesma maneira, mas de um jeito que foge bastante de clichês (ou os misturam com o novo), fica a relação de Thor com seu irmão Loki, do sempre expressivo Tom Hiddleston – um personagem que o público não sabe se confia ou não – assim como todos os personagens reagem – mas é evidente uma ligação realmente admirável de lealdade (mesmo que falha, é claro) entre os dois – bem ressaltada entre o humor e o drama conferido nos diálogos entre eles - e certas referências a outros filmes, como um tipo de “vingança” de Loki, quando este vê Thor sofrendo na batalha com Hulk, servem para mostrar como o personagem de Tom é algo marcante na franquia. Mas, obviamente, não podemos deixar de citar todo o domínio de Chris Hemsworth em tornar Thor um personagem que, ainda mantendo uma arrogância e egocentrismo, consegue ser simpático e interessante por sua obstinação e, desta vez, por demonstrar mais abertamente suas fraquezas – em especial, com os momentos em que está ou relembra de seu pai Odin – vivido mais uma vez pelo grande Anthony Hopkins – que, talvez, pudesse ser mais aproveitado.
Esta mesma interação bem sucedida é vista com os novos personagens – a Valkyrie de Tessa Thompson é, talvez, uma das personalidades mais forte do filme – a boa atriz consegue mostrar bem as características que tornam sua personagem interessante, já que a ex-guerreira de Asgard é alguém que se entregou ao alcoolismo e a caça de guerreiros para o engraçado personagem de Jeff Goldblum – este, inclusive, ressalta uma certa critica/mensagem do filme contra a politica dos Estados Unidos – seu personagem não gosta de mencionar seus lutadores como escravos, por exemplo – evidenciando a conduta de querer disfarçar coisas erradas que muitos “lideres” mundiais tem feito – coisa que também aparece com relação ao mundo de Asgard, com alguns fatos obscuros sobre Odin sendo revelados – envolvendo as motivações da personagem de Cate Blanchett – apesar de bem discreto, isto confere alguma importância na conclusão da trama, envolvendo a importância do povo para construir uma nação – algo que eu imaginei nunca ver um filme tão rápido e divertido.
Se apoiando em um visual extremamente colorido, a paleta de cores do filme é intensa (tão intensa quanto a de Guardiões da Galáxia Vol. 2), principalmente ao ressaltar o mundo colorido do planeta do Grandmaster ou a mudança de cores de Asgard com a chegada de Hela – deixando de ser dourada para ficar nas cores da roupa da vilã, verde e preto – ajudado por uma direção de arte inteligente – bacana como mostram os torcedores das batalhas de gladiadores como fãs de Hulk, com cartazes e bonecos que lembram uma torcida de futebol. Visualmente, o filme apenas falha em algumas cenas de luta, onde a mise-en-scène do diretor parece ficar um pouco confusa, com enquadramentos muito próximos – como na cena da chegada de Hela em Asgard – mas, no geral, funcionam bem – o 3D, como vem ficando ultimamente, não agrega quase nada.
Ainda há o uso interessante e condizente com a natureza nórdica de Thor da clássica canção do Led Zeppelin, Immigrant Song – a trilha de Mark Mothersbaugh acaba sendo mais interessante do que as outras do Universo Marvel, ao conferir acordes eletrônicos ao mundo mais frio e bagunçado do Grandmaster em meio aos efeitos sonoros das naves e maquinas, principalmente ao acompanhar Valkyrie, demonstrando uma certa artificialidade que a moça foi obrigada a manter para se defender de seu trágico passado.
Conferindo diálogos que sabem dosar perfeitamente seu humor e drama, uma narrativa rápida (mesmo que com algumas falhas), um visual deslumbrante e uma ação grandiosa que só um filme assim poderia trazer, Thor: Ragnarok mostra (mais uma vez) que o Universo Marvel está cada vez mais rico – não só pelas bilheterias, mas como uma história repleta de personagens e situações que fazemos questão de acompanhar.
*Infelizmente, as duas cenas pós créditos são um tanto decepcionantes, principalmente se comparadas a dos filmes anteriores do estúdio.
*em compensação, a ponta de Stan Lee talvez seja uma de suas mais divertidas!