A magia do cinema
por Francisco RussoAntes de tudo, um alerta: Mommy é uma ficção científica. Mas não espere discos voadores, seres do espaço ou algo do tipo. O futuro do longa-metragem – que está logo ali, em 2015 – é tão pé no chão que, em certos momentos, o espectador até esquece que se trata de uma versão alternativa do mundo em que vivemos. Na verdade, há apenas uma – importantíssima – peculiaridade: trata-se de um Canadá ficcional, onde a lei permite que os pais, em caso de problemas com os filhos, possam interná-los em hospitais públicos com a maior facilidade. Apenas isto.
Aviso dado, é hora de embarcar na melhor viagem oferecida pelo multitarefa Xavier Dolan, o jovem de apenas 25 anos que dirige, roteiriza, produz, edita e, ufa!, cuida do figurino. Dolan sempre foi assim, gosta de acumular diferentes funções nos filmes que realiza – de vez em quando ele ainda atua. Entretanto, por mais que tenha obtido elogios em trabalhos anteriores, como Amores Imaginários e Eu Matei Minha Mãe, é em Mommy que ele atinge a maturidade como diretor. Especialmente no domínio conceitual sobre como contar uma história.
Há uma peculiaridade no filme que faz toda a diferença: o formato de tela. Dolan explora principalmente o formato 1:1, bem quadradão mesmo, apelidado de “formato instagram”. Tal escolha faz com que o público tenha sempre a sensação de aperto, de que falta espaço naquele trecho onde tudo acontece, ainda mais com o vazio existente nas laterais. Com o tempo, tudo se acerta e o espectador se acostuma. Só que há um motivo especial para tal escolha: o formato da tela muda, no decorrer da história. E o primeiro instante em que isto ocorre, ao som de “Wonderwall” do Oasis, é pura magia cinematográfica, daquelas de arrepiar. Apenas ali, quando o filme já caminha para sua metade final, é que se pode compreender o porquê de tal escolha e o quão brilhante e original ela é.
Entretanto, Mommy é mais do que um mero truque estético envolvendo técnicas cinematográficas. Há nele uma trama profunda, envolvendo o difícil relacionamento entre uma mãe solteira (Anne Dorval, excelente) e seu filho problemático (Antoine-Olivier Pilon, ótimo!), hiperativo e desbocado. A relação entre eles apenas começa a melhorar quando entra em cena uma nova vizinha (Suzanne Clément, muito bem), que traz um certo “equilíbrio” ao trio. Entre aspas porque nada que acontece entre eles pode ser considerado habitual, pelo impacto e, às vezes, violência envolvida.
Mommy é um daqueles raros casos que, ao término da sessão, deixa um sorriso de satisfação e, por que não?, encantamento. Pela ousadia ao implementar uma proposta tão ambiciosa, e executá-la tão bem, e também pelo excelente trabalho apresentado pelo elenco. Um filme impactante, com um baita soco no estômago que incomoda, mas, ao mesmo tempo, fascina pela beleza com que é construído. Excelente filme, um dos melhores do ano.
Filme visto no 67º Festival de Cannes, em maio de 2014.