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    As Sufragistas
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    As Sufragistas

    Introdução ao feminismo

    por Bruno Carmelo

    Desde a primeira cena, este drama diz a que veio: enquanto personagens masculinos bradam contra o direito de voto das mulheres, uma personagem feminina joga uma pedra contra uma vitrine, gritando pelo direito de votar. Homens contra mulheres, voto contra não voto – está armado o contexto histórico e político que interessa à diretora Sarah Gavron e à roteirista Abi Morgan.

    As Sufragistas adota um ponto de partida interessante ao escolher como protagonista Maud Watts (Carey Mulligan), uma mulher sem formação política. Esta lavadeira, acostumada à opressão masculina, nunca questionou o sistema, mas aos poucos descobre seus direitos como cidadã. É mais fácil ao público médio, a quem o filme se dirige, identificar-se com esta personagem comum do que torcer por uma militante radical. O roteiro acompanha o despertar político de Maud rumo à libertação das regras sociais do início do século XX.

    Outro acerto encontra-se no uso da restrição ao voto como símbolo de opressão. Ao invés de se prender ao direito de votar em si, a prática eleitoral é utilizada como metáfora da desigualdade entre os sexos. O verdadeiro tema do filme é a luta pela igualdade, pela defesa das minorias e pela eliminação dos dogmas machistas impostos pelo cristianismo. Fala-se pouco sobre o voto em si: o verdadeiro gesto político do roteiro é colocar o dedo em feridas morais que existem até hoje.

    Em pleno 2015, pode ser absurda a ideia de mulheres serem impedidas de votar, mas a proibição era considerada tão “natural” quanto são consideradas naturais atualmente as limitações de direitos aos gays e transexuais, por exemplo, e como já foram consideradas naturais, pouco tempo atrás, a segregação racial, a escravidão e outras formas de privilégio da elite branca. Apesar de ser um filme de época, As Sufragistas torna-se relevante por sua triste atualidade.

    Infelizmente, partindo de uma premissa tão interessante, Sarah Gavron tem um desempenho decepcionante na direção. Ela se limita à cartilha mais básica do cinema dramático e histórico: para mostrar a ambientação nas ruas, uma grua se eleva até o os prédios, quando as personagens falam, o enquadramento se fecha muito perto dos rostos, quando é preciso demonstrar ação, a câmera treme freneticamente, de modo a quase perder as personagens de vista. As escolhas estéticas deste projeto constituem clichês, mas são piores do que isso: elas funcionam como um ponto de vista manipulador e redutor.

    Assim, os enquadramentos fechadíssimos te dizem exatamente o que olhar, a trilha sonora tristonha te diz quando chorar, as elipses te dizem com quais fatos se preocupar, a fotografia mostra onde as personagens estão seguras (entre amigas, à luz) e quando correm perigo (em casa ou no trabalho, em locais escuros). O filme te diz quem amar e quem detestar, martela o que é certo e o que é errado, sem permitir ambiguidades, discussões ou um mínimo pensamento dialético. O maior exemplo deste maniqueísmo encontra-se na imagem dos homens que são, no melhor dos casos, apáticos e coniventes, no pior dos casos, violentos e estupradores em série.

    Ao mesmo tempo, o roteiro demonstra moralismo, insistindo ao público que, embora Maud tenha se tornado uma militante, ela ainda é uma mãe amorosa, preocupada com o filho e o marido. Igualmente, a única desculpa fornecida a uma mulher para abandonar a luta política é a maternidade. Para tentar sensibilizar um público não acostumado às ideias mais básicas do feminismo, o filme rebaixa a complexidade de seu discurso e faz questão de atribuir virtudes cristãs à protagonista, evitando que o público deixe de torcer por ela.

    Apesar dos clichês na direção, o elenco se sai muito bem. Carey Mulligan passa da fragilidade à força de modo comovente, Brendan Gleeson consegue trazer nuances importantes ao papel de vilão e Anne-Marie Duff possui uma energia impressionante em cena. Meryl Streep é apenas uma coadjuvante de luxo (ou instrumento de marketing), aparecendo durante menos de cinco minutos, e Helena Bonham Carter demonstra mais uma vez seu talento natural com diálogos.

    As Sufragistas se destaca pela coragem das intenções, pela representatividade do tema e pela equipe inteiramente feminina, mas deixa um gosto amargo ao fim da sessão. Este é um filme que sabe muito bem o que quer dizer, mas não sabe como; em outras palavras, ele decide enfiar um discurso louvável goela abaixo do público. Uma obra que escreve certo por linhas tortas.

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