O show não é tão bom, mas tem que continuar
por Taiani MendesO povo do circo chegando é uma imagem não muito rara no cinema brasileiro, então não é necessário ver a lona para compreender que o ônibus, o carro e o caminhão em procissão na primeira sequência de Os Pobres Diabos carregam circenses em busca de um novo espaço de apresentação. Encontram um enorme descampado e Arnaldo (Everaldo Pontes), o mandachuva, decide que lá será a morada. A cidade está longe, ninguém os vê chegando, ninguém os espera e está colocada a grande dificuldade da trupe: falta de público.
Falta de público para artistas independentes é sinônimo de falta de dinheiro e eles são realmente paupérrimos, dividindo um ovo cozido por dia e vivendo à base de leite de cabra. São todos pobres diabos, no entanto alguns menos e outros mais, hierarquização explicitada no momento “última ceia” da equipe Gran Circo Teatro Americano. Arnaldo, Creuza (Silvia Buarque) e Lazarino (Chico Diaz) têm copos de vidro, Zeferino (Gero Camilo) uma caneca de porcelana e os demais bebem no plástico. Eles são os protagonistas do filme, do Auto de Lamparina no Além encenado no circo e, com exceção do chefe, do triângulo amoroso que adiciona humor à trama.
O melhor do longa são os trechos em que é retratada com sensibilidade a dureza da profissão motivada pelo puro amor e dificultada pela escassez de recursos e interesse popular. Toda a preparação, o ensaio para ninguém, a expectativa de casa cheia, o cotidiano sem maquiagem. A desmotivação e o descontentamento de Creuza dentro e fora do picadeiro emparelhados com os sonhos internacionais jamais realizados de Lazarino são de partir o coração. A desesperança é infinitamente mais poderosa do que a farsa, porém é a última que domina – e tem apelo popular. A piada da quase descoberta da infidelidade é tão repetida que perde a graça, graça que o palhaço interpretado por Diaz nunca chega a mostrar, pois aparece acima de tudo como “ladrão de mulher” nada sutil.
Irregular, o filme oscila entre belas imagens apoiadas na música e péssimo texto, principalmente quando os personagens cismam de refletir profundamente sem profundidade alguma e explicar o óbvio. Engessados, os diálogos não passam verdade e os que melhor superam o grave problema são Gero Camilo e a dupla cheia de química Chico Diaz + Sâmia Bittencourt. Perdidas, as crianças são outro ponto fraco, enfraquecendo por consequência a brutal parte animal. Tecnicamente se destacam a fotografia no exterior de Petrus Cariry e o som de Érico Paiva, enquanto a montagem de Petrus e Rosemberg deixa a desejar ao não conseguir disfarçar os efeitos falhos nas sequências envolvendo fogo e vento.
Creuza de Guadalajara já não suporta, Lazarino prefere seduzir e as confusões amorosas atrapalham de tal forma o Auto de Lamparina no Além (texto de José Gomes Campos) que é incrível o pequeno público não vaiar ao fim da peça. Há a punição divina, mas permanece a dúvida se eles são pobres por serem diabos ou diabos por serem pobres. São acima de tudo apaixonados pelo ofício que vão em frente apesar de tudo. “A arte e a paciência tudo vencem”, diz o comandante Arnaldo. Os Pobres Diabos às vezes é realmente um exercício de paciência, mas é possível encontrar e deixar-se encantar por sua arte mambembe.