Nem amor, nem Barcelona
por Rodrigo TorresA década passada conheceu dois filmes-corais de razoável sucesso que se tornariam modelos nos anos seguintes. Richard Curtis conquistou o público com Simplesmente Amor e sua reunião de estórias românticas paralelas conectadas por outro aspecto comum: um evento comemorativo de grande apelo popular (como revimos Garry Marshall fazer pioradamente em Noite de Ano Novo, Idas e Vindas do Amor e O Maior Amor do Mundo). Três anos depois, Emmanuel Benbihy realizaria Paris, Eu Te Amo, primeiro filme de uma franquia (Cities of Love, que também passaria por Nova York e Rio de Janeiro) em que vários curtas, de vários diretores, compõem longas-metragens sobre as capitais e seus tipos, costumes, história.
Noite de Verão em Barcelona soa como fusão dessas duas concepções, reunindo o onipresente amor e o caráter de homenagem a uma cidade. O resultado dessa combinação, no entanto, é bastante equivocado. Além de repetir os principais problemas do subgênero, Dani de la Orden não consegue repetir as melhores qualidades do primeiro modelo, cativante quando bem-sucedido, e do segundo, pois nunca revela a essência e as belezas da capital catalã.
Barcelona, 18 de agosto de 2013. O evento que marca a data é curioso: em vez de Natal, Ano Novo, Dia dos Namorados ou das Mães, trata-se da noite em que o cometa Rose cortará o céu da cidade. A peculiaridade gera interesse; porém, isto nunca é explorado, haja vista a incapacidade do roteiro de Eric Navarro, Dani González e Eduard Sola focalizar outra coisa que não as seis histórias que movem a trama — com a irregularidade recorrente do subgênero.
O primeiro motivo é o fato de os diferentes arcos se desenvolverem em tempos diferentes. O início de Noite de Verão em Barcelona desenvolve muito mais a história do jovem casal que descobre uma gravidez acidental do que todas as outras — tanto gerando falta de coesão, como ocasionando o esquecimento (!) de outras tramas. Conforme as histórias vão se resolvendo (ou não), essa debilidade estrutural se atenua. Infelizmente, devido ao péssimo parâmetro criativo do projeto em seus outros aspectos cinematográficos.
Metade das histórias se repete, envolvendo disputas de relacionamentos. Sua pouca diversidade também se reflete nos personagens masculinos (por que eles são sempre principais?), em sua maioria infantilizados e machistas. Esses arquétipos logo afundam as brigas por seus pretendentes num oceano de mau gosto, que destoa completamente da ideia de um longa-metragem sobre amor. A falta de noção é tamanha que um flerte constrangedor, antecipando a iminência de uma traição, é filmado sob o tom ensolarado de sua fotografia óbvia, imutável, e uma trilha sonora cafona forçando descabida sensação de beleza e felicidade. Concepção de cena medonha, de total desconexão entre forma e conteúdo.
O arco adolescente é sofrível porque tão curto, incapaz de conferir uma camada de ludismo típica do primeiro amor ou gerar identificação por seu protagonista loser. A história de dois jogadores de futebol homossexuais é relevante, bem intencionada, eles são pessoas de verdade, mas não se livra da péssima construção narrativa do longa-metragem como um todo. Uma boa provocação é desperdiçada numa série de lugares-comuns.
Sem habilidade para fazer o óbvio, Dani de la Orden fracassa em tentar algo mais intrincado: captar e transmitir o espírito da Catalunha. Aliás, nem mostrar ele faz. Quando Carles aponta para uma obra de Gaudí, só a vemos de muito longe. Fala-se no Barcelona, o time, e não se vê uma camisa, quanto menos suas instalações. As situações que constituem o longa-metragem, de modo geral, são enclausuradas em clubes, restaurantes, apartamentos, casas, quintais como de qualquer outro lugar do mundo. Enfim, é uma ambientação pífia, que atrapalha qualquer comunhão entre a cidade, seus símbolos e seus habitantes — tão aborrecidos, homogêneos, sem qualquer dimensão, que não representam qualquer particularidade da região além da língua.
Assim, Noite de Verão em Barcelona nem se justifica como um melodrama de qualidade, sobre pessoas provocantes e com as quais nos importamos, nem como veículo de encantamento pela capital a que presta tributo.