Acho interessante filmes que nos causam incômodo. Personagens que nos deixam perplexos por suas ações, por vezes sem a necessidade de um plot twist, personagens que nos atingem por ações que podem ser características para eles, mas que, ainda assim, soam extremas.
Esse é o motor de O Abutre, estreia de Dan Gilroy como diretor. A história, também escrita por ele, acompanha Louis Bloom, um “malandro” que rouba tudo que pode vender para se sair bem, até que descobre o trabalho de cinegrafistas freelancers, que passam a noite atrás de acidentes, roubos, assassinatos e derivados para filmar e vender para o jornal local que pagar mais caro.
A partir daí acompanhamos a trajetória de Bloom, desde sua primeira câmera (trocada por uma bicicleta roubada), até o final do filme. Conhecemos um pouco do personagem, percebemos sua falta de limites quando se trata de conseguir o que quer, e, mesmo assim, muitas coisas deles ficam em puro mistério. Do passado nada é falado e o personagem não se explica ou se aprofunda em si, tudo o que temos são as ações e os discursos que ele dá às pessoas que o circulam. E isso tudo o torna, apesar da repulsividade, fascinante. Você não consegue desviar os olhos da tela, tentando entender o personagem, tentando prever o que ele pode fazer, qual será o seu próximo passo.
Jake Gyllenhaal está, novamente, insano em seu papel. O ator só tem acertado ultimamente, e Bloom é mais um para a lista. Ele consegue deixar o personagem com a aura misteriosa e um toque fortíssimo de psicopatia, dando aquele incômodo que falo no início do texto. As ações do personagem não seguem moral nenhuma, e Jake consegue tornar tudo tão cru e real que chega a ser repulsivo em dados momentos. Além disso, o roteiro colabora muito para essa construção, com diálogos incríveis entre Bloom e seus “parceiros”, sempre saindo por cima, tamanha a inteligência do personagem.
Colaborando com o retrato de um jornalismo, a direção de fotografia deixa tudo escuro e opressor, dando o tom das tragédias que o personagem filma. Além disso, a câmera nunca fica parada por muito tempo, se tornando incômoda e se juntando a mistura que torna o filme tão pesado. Muitas cenas, principalmente as envolvendo personagens conversando, são lentas e longas. Pausas desconfortáveis se misturam às conversas, tudo para demonstrar o desconforto dos coadjuvantes perante Bloom, para mostrar os cálculos que eles estão fazendo até chegar a percepção derradeira de que estão lidando com um louco.
O Abutre é brilhante em sua proposta. É um filme singular, com uma história que, apesar de seus exageros, é uma realidade do jornalismo, algo que normalmente não pensamos. É ficção, mas nada impede de pessoas tão loucas quanto Louis Bloom existir.