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    Costa da Morte
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Costa da Morte

    Som ≅ Imagem

    por Bruno Carmelo

    À primeira vista, Costa da Morte seria um documentário bastante tradicional. O diretor Lois Patiño retrata a natureza e a vida dos moradores desta região da Galícia, na Espanha, conhecida pelo grande número de naufrágios. Retrata-se o mar, os vales, o céu, as atividades diurnas e noturnas da cidade. O olhar do cineasta combina o interesse pela geografia com o registro estético.

    O filme não conta com depoimentos feitos para a câmera, nem narração explicativa em off – o que não é exatamente uma inovação, já que diversos documentários evitam se apoiar nestas ferramentas pedagógicas. A novidade, neste caso, é a diferença de tratamento entre a imagem e o som. Por um lado, as imagens apresentam grandes planos abertos, nos quais os serem humanos são vistos como pequenas silhuetas anônimas, muito distantes no horizonte. Nenhum rosto é visto de perto. Por outro lado, o som apresenta os ruídos e conversas destes personagens como se estivessem a dois passos do público.

    Pode parecer pouco, mas o efeito desta escolha é estranho e espetacular. As belíssimas paisagens, tanto ensolaradas como lamacentas ou nubladas, são povoadas por histórias pessoais que as diferenciam de simples cartões postais. Ao mesmo tempo, enquanto o espectador vê duas formas humanas ao longe, o diálogo entre duas pessoas pode ser uma captação do som direto, ou apenas uma construção fictícia feita posteriormente por Patiño, com atores. Não se vê as bocas se mexendo, de modo que todos os diálogos, apesar de realistas, adquirem um caráter fictício, atemporal, desconectado das cenas.

    O choque entre o som e a imagem também permite ao público olhar a natureza de maneira diferenciada, ressignificando cada praia, praça, pântano ou barco. Existe um caráter ao mesmo tempo concreto e abstrato, referencial e especulativo nesta representação. As falas são simultaneamente particulares (porque se imagina que provenham das pessoas na tela) e universais (porque, na falta de indícios, poderiam vir de qualquer um, em outras situações). O documentário perde seu caráter de documento, de “prova do real”, para se tornar uma construção artística interpretativa e subjetiva.

    No que diz respeito às figuras humanas, Patiño concentra-se principalmente nos trabalhadores, com destaque aos pescadores, barqueiros, caçadores, lenhadores, bombeiros. Privilegiando a contemplação, o diretor evita criar cenas de conflito ou sugerir momentos de tensão através da montagem (não há discurso crítico sobre a extração da madeira, por exemplo), situando Costa da Morte como uma obra distanciada e desprovida de julgamentos.

    Por um lado, a fusão entre esteticismo e humanismo remete a outras grandes obras como Bestiário (2012), de Denis Côté, ou Cavalo Dinheiro (2014), de Pedro Costa. Costa da Morte não possui o refinamento nem o radicalismo destes filmes, mas impressiona pelo discurso que posiciona o homem como elemento frágil diante da grandiosa natureza. É uma pena que a conclusão seja tão indecisa, apontando diversos finais possíveis antes de optar por um deles. Mas isso não retira o mérito cinematográfico de Costa da Morte, que consegue articular de maneira inovadora e inteligente os elementos mais essenciais do cinema, como a imagem, o som, a montagem e a fotografia.

    Filme visto no 25º Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema, em junho de 2015.

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