Memórias traiçoeiras
por Francisco RussoMesmo entre os autores de best sellers, Dan Brown conseguiu uma proeza: estabelecer um estilo próprio, uma assinatura, que não apenas se mantém em todas as suas obras como ainda por cima influencia outros meios. Por exemplo: A Lenda do Tesouro Perdido, aventura estrelada por Nicolas Cage, provavelmente não existiria se não houvesse o sucesso do livro O Código Da Vinci. Se tal marca registrada por um lado atrai rios de dinheiro e uma fama considerável, por outro torna Brown refém do próprio sucesso, já que a cada nova história ele tenta replicar a mesma fórmula - o que, inevitavelmente, provoca um certo desgaste. É o que acontece com Inferno, quarta aventura literária estrelada pelo simbologista Robert Langdon e terceira a ser adaptada para as telonas.
Conceitualmente, Inferno é bem parecido com O Código Da Vinci: Langdon envolto numa intrincada trama envolvendo mistérios históricos e obras de arte. Desta vez o alvo prioritário é "A Divina Comédia", de Dante Alighieri, especialmente o modo como descreve os nove círculos do inferno, mas o verniz artístico passa ainda pela belíssima arquitetura de Florença, bem explorada através de panorâmicas, e quadros de Botticelli e Vasari. Isto envolto a mais um feito histórico resgatado para os dias atuais: a ameaça de uma nova epidemia tipo a peste negra, que poderia diminuir drasticamente a população na Terra.
A grande diferença de Inferno em relação aos filmes anteriores é que, de início, Langdon não está em sua plena capacidade. Desnorteado e sem lembrar nada do que lhe aconteceu nas últimas 48 horas, ele se vê em um hospital de Florença tendo como único apoio a médica interpretada por Felicity Jones. Tal situação, aliada às constantes alucinações, coloca o personagem em uma rara situação de fragilidade, onde precisa lidar com as limitações do próprio corpo para entender no que está envolvido. Tudo em meio a uma alucinada perseguição, é claro, realizada por vários subgrupos que, aos poucos, são revelados pela narrativa.
Seguindo o padrão habitual de muita correria em uma edição frenética, aliado à câmera na mão de forma a ressaltar o desconforto físico de seu personagem principal, Inferno até consegue prender a atenção enquanto mantém o mistério - e, mesmo assim, nem todos os coadjuvantes são convincentes. Entretanto, basta a verdade vir à tona para o filme logo assumir o habitual clichê de salvação da humanidade, em uma busca desenfreada envolvendo todos os subnúcleos presentes. É quando a aventura ganha também um súbito e desconexo interesse amoroso para Langdon, desviando de forma desnecessária o foco central.
No fim das contas, Inferno pouco traz de novo em relação aos filmes já lançados. Se a instabilidade de Langdon provoca um certo frescor, não só ao personagem mas à própria trama como um todo, o longa-metragem insiste em ser extremamente didático, explicando detalhamente todos os meandros dos vários subnúcleos, o que o torna bem cansativo - trata-se da velha obsessão dos blockbusters americanos em entregar tudo mastigado ao espectador, de forma que ele não se dê ao trabalho de raciocionar. Com um elenco burocrático, incluindo a dupla protagonista Tom Hanks e Felicity Jones, o longa ainda peca pelo desfecho nem um pouco convincente - nem tanto pelo que acontece, mas como acontece. Regular apenas.