O moderno e o antiquado
por Bruno CarmeloA série de refilmagens em live action anunciadas pela Disney tem despertado uma mistura de interesse e preocupação por parte dos fãs das animações. O que a empresa teria a trazer de novidade às histórias conhecidas? O ótimo Cinderela dissipou algumas preocupações com o belo estilo analógico de filmagem, além de oferecer atuações excelentes em tons mais modernos e apropriados às novas gerações.
Agora, Mogli – O Menino Lobo lembra que a Disney também tem muito a oferecer em termos técnicos. Os efeitos especiais constituem o melhor e mais surpreendente aspecto desse filme: basta ver o cuidado na criação dos pelos dos animais, dos movimentos e dos olhares incrivelmente expressivos. Os mundos inteiramente criados em CGI costumam chamar a atenção pela artificialidade, mas esta produção desenvolve um ambiente plausível e relativamente discreto.
Isso porque os movimentos de câmera não forçam a ação para além do verossímil. O diretor Jon Favreau retrata a floresta digital como se estivesse diante de um cenário real, utilizando principalmente enquadramentos e movimentos naturalistas. A fotografia também foge do imperativo infantil de tons multicoloridos. Pelo contrário, as luzes são sombrias e as cores são dessaturadas, valorizando o tom de realismo. Chega a ser uma bela contradição que o projeto use recursos computadorizados tão sofisticados para atingir a aparência menos computadorizada possível.
Como filme de ação e aventura, Mogli – O Menino Lobo funciona bem. O ritmo é enxuto, com direito a cenas de perseguição bem orquestradas, tradicional trilha de suspense e montagem ágil. As cenas podem não impressionar pela criatividade, mas são muito competentes. O humor é deixado de lado – as raras piadas podem despertar alguns sorrisos, mas quase nenhum riso – e o aspecto musical não convence muito: as duas únicas canções ao longo da história são inseridas de modo artificial, em momentos pouco apropriados à cantoria. Mas seria quase obrigatório encontrar um espaço para incluir “Necessário, somente o necessário”, e os montadores cumprem esse papel.
Apesar da embalagem rebuscada, o roteiro é simples até demais. A jornada do garoto lembra um videogame: ele está sozinho na floresta, quando encontra um animal perigoso, consegue se salvar, depois outro animal perigoso, e mais outro. A estrutura episódica lembra a necessidade de superar um vilão para passar ao próximo. O maniqueísmo das velhas produções Disney também se faz presente: os animais são bons ou malvados, sem exceção, enquanto a narrativa repete frases sobre a importância da família e da união.
Talvez o discurso de Mogli não seja tão moderno e questionador quanto o de ótimas produções recentes da Disney, como Cinderela, Frozen – Uma Aventura Congelante e Zootopia – Essa Cidade é o Bicho. Ele também não resolve algumas contradições da história, como o fato de alguns animais falarem e outros não, ou a importância dada aos mamíferos, mas o desprezo pelos insetos – por que o garoto não teria pena das abelhas? Mesmo assim, moderníssimo na forma e antiquado no conteúdo, Mogli – O Menino Lobo revela-se uma aventura acima da média, capaz de valorizar os principais elementos que garantiram o sucesso dos livros de Rudyard Kipling e da animação da Disney.
PS: Por que tantos dubladores de animações nacionais ostentam um sotaque carioca? As vozes brasileiras, por mais competentes que sejam, chamam a atenção pelo sotaque fortíssimo da Zona Sul do Rio de Janeiro, presente no garoto Mogli e em outros personagens. São tantos dubladores cariocas que a floresta do filme parece se situar na Barra da Tijuca. Quando teremos mais vozes do Nordeste, do Norte, de Brasília, Minas Gerais?