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    Até Que A Sbornia Nos Separe
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Até Que A Sbornia Nos Separe

    Admirável mundo novo

    por Francisco Russo

    A diversidade da cultura brasileira por vezes gera fenômenos locais que, por mais que façam imenso sucesso em determinada região, pouco são conhecidos fora dela. É o caso da peça teatral “Tangos & Tragédias”, criada e encenada pela dupla Hique Gomez e Nico Nicolaiewsky, que permaneceu em cartaz em Porto Alegre por 30 anos. Trata-se da história de Kraunus e Pletskaya, moradores de um país chamado Sbornia, ligado ao continente através de um pequeno istmo. Repleto de canções que incentivavam a interação com o público, “Tangos e Tragédias” tornou-se um marco no calendário da capital gaúcha: chegava janeiro e lá estava a peça novamente em cartaz no Teatro São Pedro.

    O motivo de tamanho sucesso está, em parte, na versão em animação conduzida pelos diretores Otto Guerra e Ennio Torresan Jr.: os próprios autores da peça participaram da confecção do longa-metragem e inclusive dublaram seus personagens, o que garante de antemão a divertida entonação provocada pelo estranho idioma sborniano. Há também um exagero visual nítido e intencional, com o objetivo de ressaltar o lado absurdo desta nova civilização. A Sbornia vista na telona é um lugar que mescla hábitos primitivos e até brutais, ao mesmo tempo em que mantém um modo de funcionamento bastante particular. É a riqueza visual e de informações deste novo universo, muito bem ressaltada pelo ritmo histérico da narrativa, o grande chamariz do longa-metragem.

    A bem da verdade, a história de “Tangos e Tragédias” guarda algumas semelhanças com os eternos duelos entre os irredutíveis gauleses e os romanos, nas histórias de Asterix e Obelix. De um lado está uma civilização com hábitos próprios, que se recusa a manter contato com o exterior – há uma enorme muralha que os separa. Quando a parede de pedra começa a ruir, surge a oportunidade para que os homens do continente, interessados em explorar esta nova terra, invadam o local com suas fábricas, costumes e poluição. Trata-se de uma analogia ao capitalismo selvagem, que avança por todos os cantos de forma a faturar o máximo possível sem pensar no bem-estar das pessoas ao redor. Do outro lado, há também aqueles que, assim como os gauleses, resistem às influências externas na medida do possível. Este subtexto é outro aspecto bastante interessante do longa-metragem, por mais que não seja o tema central.

    Em meio ao choque cultural provocado por (e em) Sbornia, há também uma história de amor. O músico Pletskaya se apaixona por Cocliquot (dublada pela inconfundível voz da cantora Fernanda Takai), uma jovem rica do continente. O amor proibido tem ares de Romeu & Julieta e acaba travando bastante a narrativa, muito por ser bem menos interessante do que os hábitos desta nova cultura tão multifacetada. É ele que provoca uma certa irregularidade na segunda metade do filme, também devido à ausência de humor nos personagens principais. Quando saem de cena os pitorescos hábitos sbornianos, o filme perde bastante.

    Até que a Sbornia nos Separe é um filme divertido que chama bastante a atenção pela qualidade da animação, o bom uso dos efeitos 3D, o ritmo frenético da narrativa e, principalmente, a criatividade ao apresentar um universo tão rico e instigante. Filme para ver, se divertir e aprender: é possível fazer animação de qualidade no cinema brasileiro. Serve ainda como uma bela homenagem, infelizmente póstuma, a Nico Nicolaievsky, que faleceu em fevereiro de 2014.

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