Spotlight – Segredos Revelados, o vencedor das estatuetas de Melhor Filme e de Melhor Roteiro Original no Oscar 2016, ganha uma dramaticidade maior por sabermos se tratar de um caso que realmente ocorreu e que abalou as estruturas da Igreja nos EUA pós 11 de Setembro. Os jornalistas que realmente participaram da investigação iniciada em 2001, e que tiveram o fruto desse exaustivo trabalho finalmente publicado um ano depois, puderam sentir a sensação de dever cumprido com toda a repercussão e as consequências geradas pela divulgação de um assunto tão delicado: padres pedófilos.
A trama do filme nos apresenta ao mais novo editor do prestigiado jornal The Boston Globe, Marty Baron (Liev Schreiber). Ele se mostra interessado em desvendar possíveis desdobramentos de um caso envolvendo denúncia de pedofilia supostamente praticada por um padre da cidade. Para isso, Baron destaca o time de jornalistas investigativos da redação que se auto-intitula Spotlight (“holofote”), sob o comando de Walter Robinson (Michael Keaton). Assim a equipe, formada ainda por Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matt Carroll (Brian d'Arcy James) se empenha nas investigações que se estendem por meses, durante os quais dois advogados são integrados à história. Um deles é o acobertador Phil Saviano (Billy Crudup), e o outro é Mitchell Garabedian (Stanley Tucci). Este último possui muitos clientes que já foram molestados, e por isso mesmo está interessado que a verdade venha à tona. A apuração dos fatos irá culminar em uma lista composta por nada menos do que 87 nomes de padres que teriam abusado sexualmente de menores, apenas na cidade de Boston, o que leva a crer que esse número só se multiplicaria, se a investigação se estendesse pela América e ainda por todo o mundo.
Do ponto de vista jornalístico, Spotlight – Segredos Revelados revela muito mais do que a investigação em si. A rotina de trabalho na redação – cujo desenho de produção reconstituiu com exatidão – é detalhadamente ilustrada, por meio das diferentes atitudes tomadas pelos jornalistas (e as grandes atuações de seus intérpretes) nas diversas “frentes de batalha”. A começar pelo impacto causado pelo maior atentado terrorista já sofrido pelos EUA, que acontece no meio da trama, e obviamente reverbera em todos na redação do jornal. Mas a vida tem que continuar e os trabalhos do grupo Spotlight seguem adiante. O Rezendes de Mark Ruffalo se mostra o mais determinado em querer divulgar os resultados o quanto antes, o que fica evidente não só pela sua correria na tela, mas também pela gravidade das denúncias. Tanto ele quanto a Sacha de McAdams ouvem atentamente os relatos contendo os mais sórdidos e repugnantes detalhes, de maneira que ela não consegue ficar indiferente ao fato de que sua avó é uma frequentadora assídua das missas de sua paróquia. Enquanto isso o Carrol de d'Arcy James deixa evidente sua preocupação com seus filhos pequenos, ainda mais por haver uma casa paroquial ali próximo de onde mora. Já o Robinson de Keaton (que fez outro papel semelhante em O Jornal, filme de 1994) precisa lidar com uma triste decisão que tomou anos atrás, e que poderia ter mudado completamente o curso dos acontecimentos, e certamente evitado muitos abusos que se deram depois de sua displicente atitude. Há ainda uma curiosa cena, na qual Rezendes, cansado do “chá de cadeira” que estava tomando, levanta-se e corre para dentro da sala do advogado Garabedian, antes que sua secretária o impeça. Este momento inevitavelmente nos remete a um certo filme que é citado no próximo parágrafo, além de ser uma atitude ousada que permitiu ao jornalista ter acesso a um mar de descobertas, que foi se abrindo à medida que o advogado foi percebendo que as intenções do The Boston Globe eram mesmo as de levar os casos a público.
O oscarizado roteiro de Tom McArdle, mesmo sendo linear e convencional, permitiu ao diretor Tom McCarthy construir uma narrativa tão aflitiva (ou até mais) quanto a de outro filme referência do subgênero “suspense jornalístico”: Todos os Homens do Presidente (1976), ambas as histórias extraídas da realidade americana. Enquanto o clássico de Alan J. Pakula protagonizado por Dustin Hoffman e Robert Redford buscava elucidar o quebra-cabeça político do caso Watergate, que acabou vindo à tona e provocando a renúncia do então presidente Richard Nixon, Spotlight desvenda um dos maiores escândalos envolvendo a Igreja nos últimos anos, e talvez por isso seja mais dramático, pela delicadeza de seu tema, que permite ainda uma enorme gama de discussões. E as denúncias que se seguiram após os eventos relatados no longa não se restringem apenas aos EUA, pois, antes dos créditos finais, é possível visualizar uma extensa lista de casos de pedofilia envolvendo paróquias de diversas cidades do mundo, inclusive no Brasil.
A publicação real da reportagem do Spotlight em 2002, que congestionou os telefones da redação do The Boston Globe, rendeu a seus jornalistas o Prêmio Pulitzer no ano seguinte. Após a primeira publicação, mais de 600 matérias se seguiram, com novas denúncias, vindas de diversas outras cidades, que causaram o afastamento de 249 padres em todo o território norte-americano. Uma rápida busca na internet revela que os casos brasileiros citados no filme também tiveram consequências, com padres presos em várias cidades, mediante depoimentos. Se o jornalismo se empenhou para interromper práticas abusivas perpetradas vergonhosamente por pessoas que, ao contrário, deveriam prezar pelo bem de sua comunidade, o cinema dá a sua parcela de contribuição, tornando palatável um tema difícil por meio da produção e exibição de um grande longa-metragem, que revela segredos, expõe verdades e incentiva a justiça.