O "mal" da globalização
por Renato HermsdorffEm Que Mal Eu Fiz a Deus?, Claude (Christian Clavier) e Marie Verneuil (Chantal Lauby) são um casal católico e conservador, que tem quatro filhas. Portanto, não é de se surpreender que fiquem... incomodados quando a primeira delas se casa com um argelino muçulmano; até que a segunda sobe ao altar com um judeu; e a terceira contrai matrimônio com um... chinês.
Mas resta uma esperança (afinal, são quatro moças). Até que a caçula, Laure (Elodie Fontan), finalmente se enamora de um católico (ufa!)... negro (isso ainda é uma questão?), vivido pelo ator Noom Diawara.
Lançada em 2014 na França, a comédia já entrou para história daquele país como uma das maiores bilheterias do cinema nacional, levando mais de 12 milhões de pessoas para as salas de cinema. Mas, lá como cá, o sucesso comercial dos longas locais de humor nem sempre se traduz em uma produção de qualidade artística, o que é o caso desse filme.
É claro que não há pretensões de entregar nenhum “Godard” ou “Truffaut” – e é bom que haja espaço para a variedade. Mas “variedade” não é palavra que possa ser associada a uma produção tão clichê e previsível como Qu'est-ce qu'on a fait au Bon Dieu? (no original).
A despeito da temática atual, pertinente na Europa e, sobretudo, na França, da imigração e das necessidades e consequências de se conviver com o “diferente” (afinal, esse também não é o pano de fundo de outra, boa, produção francesa, Intocáveis?), o filme ora abusa da construção de personagens superficiais e monocórdicos, tal qual no pior do folhetim brasileiro; ora usa do humor físico besteirol que passou a dominar a cinematografia de sucesso recentemente no Brasil.
O resultado, além de reforçar o preconceito, é chato. Até porque uma mesma “piada” tem que ser repetida pelo menos três vezes (uma para o núcleo muçulmano, outra para o judeu, e uma terceira vez para a família chinesa) até que o diretor Philippe de Chauveron (O Aluno Ducobu) julgue que a
capacidade intelectual do espectador esteja apta para compreender as “altas confusões” que a entrada de um personagem negro (de novo: sério que isso é uma questão?) vai provocar.
Como se não bastasse, o noivo (negro, ok?) vem acompanhado de uma família igualmente superficial e ridícula – sendo o pai, um dos personagens mais irritantes da história do cinema recente – que, claro, serve, ao mesmo tempo, para ser contraposta e identificada com os pares franceses.
No fim (meu deus, spoiler!), é claro que tudo termina bem, com uma mensagem falsamente edificante para o espectador acreditar que há uma raspa de aprendizado na “divertida” experiência. Pasteurizado, lá, como cá, um sinal do "mal" da globalização.