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    Uma Noite de Crime: Anarquia
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Uma Noite de Crime: Anarquia

    Se puder, não mate

    por Bruno Carmelo

    Em 2013, Uma Noite de Crime trouxe uma ideia bastante original ao cinema: o que aconteceria se, durante um dia no ano, todos os crimes fossem permitidos pelo governo, para que as pessoas liberassem os seus instintos violentos? O resultado foi uma alegre carnificina perpetuada principalmente por jovens ricos e desocupados, que percorriam as ruas e invadiam as casas em busca de vítimas. Matava-se por prazer, por “necessidade”, sem motivação específica contra as vítimas, e neste sentido o filme original trazia uma mensagem assustadora e curiosa ao espectador. Era uma história absurda, sem dúvida, mas criativa – algo a se comemorar dentro do gênero de terror.

    Com um orçamento mínimo, o original acabou se tornando um pequeno sucesso, dando origem à sequência logo no ano seguinte. Os custos do filme triplicaram (de US$3 milhões para US$9 milhões), e as histórias também foram multiplicadas por três: antes tínhamos uma única família sendo invadida por assassinos. Agora, a história parte para as ruas e alterna entre três tramas paralelas: um homem forte e heroico (Frank Grillo) buscando acertar contas durante a Noite de Crime, uma mãe solteira e pobre (Carmen Ejogo) lutando para sobreviver com sua filha adolescente (Zoë Soul) e um jovem casal (Zach Gilford e Kiele Sanchez) à beira do divórcio.

    A maior mudança, no entanto, foi a domesticação do caráter subversivo. Agora, todos os personagens têm uma razão nobre que os liga à Noite de Crime: um deles quer vingar a morte do filho pequeno, a outra perdeu o pai, que se ofereceu como mártir a um grupo de milionários, e o casal em crise vai aprender a se amar após as provações violentas nas ruas da cidade. Eles participam da Noite porque são pessoas fundamentalmente boas, inconformadas com as injustiças do mundo. O episódio original, real merecedor do subtítulo Anarquia, trabalhava a ideia do prazer da violência. Já a continuação recorre aos velhos clichês do heroísmo hollywoodiano.

    Falando em clichês, este segundo filme abraça de modo risível os maiores lugares comuns do terror, incluindo dois carros que quebram na hora exata da fuga, mulheres que tropeçam e caem durante uma perseguição (precisando ser salvas pelo moço musculoso), outras que soltam gritinhos de medo quando estão escondidas, revelando o paradeiro dos protagonistas; a adolescente desbocada que provoca os malvados na pior hora possível, e mesmo o homem agressivo de bom coração, que se acovarda na hora de matar bandidos. As mulheres são essencialmente vítimas pouco inteligentes, os homens são heróis protetores ou predadores sexuais, como nos piores slasher films de antigamente.

    Mesmo assim, um momento de Uma Noite de Crime - Anarquia resgata o espírito provocador do original: o grupo de protagonistas é capturado por ricos, e exposto como animais durante um leilão refinado, onde os compradores podem assassiná-los como desejarem. É provavelmente a cena mais grotesca e absurda de toda a trama, mas constitui o único momento que ousa fugir dos padrões e assumir até a última consequência o seu teatro macabro da luta de classes. Talvez a produção fosse mais bem-sucedida se apostasse neste caminho extremo, no limite do autoparódico, e mais fiel à premissa inicial (quem se lembra da enlouquecida Lena Headey gritando “Eu não quero mais ver mortes essa noite!” no filme de 2013?).

    Por fim, a produção tem alguns bons momentos, e consegue discutir o aspecto político em cenas pontuais, principalmente pela presença de um líder anarquista. Talvez esta franquia represente os verdadeiros Jogos Vorazes em que as pessoas se matam à vontade, sob os olhos do governo... Mas Uma Noite de Crime – Anarquia decepciona por tomar caminhos mais seguros do que o antecessor, tentando desculpar os personagens e ensinando que, embora tenham o direito de liberar seus instintos selvagens, talvez seja melhor evitar a matança. Esse discurso reticente acaba fazendo um filme em meio tom, limitado pelo moralismo e pelas cenas raras de tensão ou violência.

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