A perda do prazer
por Lucas SalgadoAntes de tudo, é importante destacar que a mais nova obra de Lars von Trier deve ser vista como uma coisa só, ainda que seja dividida em duas partes. Se Ninfomaníaca - Volume 1 não tinha propriamente um final, Ninfomaníaca - Volume 2 não tem um início, o que pode prejudicar quem analisa as duas partes separadamente. Um volume pode ser melhor do que o outro, mas isso não significa que estamos diante de coisas diferentes.
Este volume dois começa do ponto em que terminou o anterior, com Joe (Stacy Martin) reencontrando Jerôme (Shia LaBeouf) e se dedicando completamente a ele. No que talvez seja o capítulo mais interessante da obra, vemos os dois agirem como um casal, com o sexo ficando um pouco de lado. Mas só para retornar de forma devastadora mais tarde.
A dinâmica é exatamente a mesma do primeiro filme. Enquanto acompanhamos a jornada de destruição da personagem, a partir dos relatos dela mais velha (Charlotte Gainsbourg), temos Seligman (Stellan Skarsgård) contextualizando todas as situações e experiências, em uma série de metáforas, que em alguns momentos são tão absurdas que o próprio longa trata de criticar seus devaneios. Ainda assim, funciona como uma espécie de transmissor da mensagem de von Trier.
O longa oferece uma série de questionamentos e não deixa de fazer analogias religiosas, chegando a ter um capítulo chamado "a igreja ocidental e a oriental". Não há um discurso claramente religioso, mas o pecado, a culpa e o flagelo estão presentes ao longo de toda história.
Se na primeira parte de Ninfomaníaca, a sensualidade era parte fundamental da história, aqui não acontece o mesmo. A protagonista Joe já começa sem sentir prazer e na medida que a trama avança, só vemos violência e destruição. A busca é pelo prazer existe, mas ele não aparece. Ao ponto de nos depararmos com o ménage à trois mais confuso e menos sexy visto nas telonas.
Para aumentar a sensação de desconforto, von Trier e seu diretor de fotografia Manuel Alberto Claro investem em tomadas granuladas. O diretor também faz referências claras a filmes anteriores, em especial Anticristo, repedindo uma sequência apenas para apresentar um resultado diferente, não sem antes deixar seu espectador bastante tenso.
Jamie Bell e Willem Dafoe são as novidades no elenco e mandam bem. Principalmente, o primeiro, que surge como o perturbador e misterioso K. Se no primeiro volume, Lars von Trier fazia referência clara à sua polêmica declaração sobre o holocausto, aqui ele volta a discutir o conceito do politicamente correto.
Diante de uma verborragia quase que sem fim, um discurso chama a atenção e realmente merece a reflexão: Se um homem agisse como Joe, ele seria objeto de julgamento? Diante de tantas palavras, von Trier realmente acerta em cheio aqui, ao apontar para a sociedade machista em que ainda vivemos.