Todos os homens de Lina
por Bruno CarmeloEste drama francês se constrói em torno de uma personagem feminina, Lina (Manal Issa), jovem libanesa que acaba de chegar a Paris para estudar e fugir do opressor ambiente familiar. Na primeira cena, ela sofre uma tentativa de estupro por parte do tio, único parente na capital francesa. Lina foge de casa e vaga pela cidade sem amigos, sem dinheiro, sem ter onde morar. O roteiro passa a acompanhar sua tentativa de construir raízes enquanto descobre uma cultura diferente.
Para um drama de ambição feminina, dirigido por uma mulher, é curioso que a jornada da protagonista seja pautada por sua experiência com homens. Partindo do já citado tio, ela encontra outros homens que a protegem ou agridem, amam ou odeiam. De qualquer modo, a ação vem sempre do exterior: Lina apenas reage ao controle obsessivo de um homem rico e casado (Paul Hamy), à convivência instável com um jovem traficante (Damien Chapelle), à relação instintiva com um jovem de vocação anarquista (Vincent Lacoste). Destemida é construído de modo episódico, lembrando a estrutura de Um Beijo Roubado (2008), de Wong Kar-Wai: a imigrante pula de companhia em companhia, tornando-se coadjuvante do longa dedicado a ela.
Por este motivo, a construção psicológica da jovem soa ao mesmo tempo realista e pouco verossímil: é compreensível que ela reaja aos estímulos ao invés de tomar iniciativa em um ambiente inóspito, mas seria desejável que a heroína fosse um pouco mais do que o produto do meio em que se encontra. Essa deficiência é perceptível nos raros encontros com a família, marcados por brigas e repressão. Os homens libaneses são vistos como agressivos ou estupradores em potencial, enquanto as mulheres são vítimas ou histéricas. Lina, consequentemente, torna-se uma guerreira silenciosa, agindo por instinto ao invés de reflexão.
Destemida pode ser valorizado pelo escopo amplo de suas ambições. A diretora Danielle Arbid deseja construir ao mesmo tempo uma trajetória de emancipação feminina, uma discussão ontológica/filosófica sobre a afirmação de si (nas aulas de artes da universidade) e um retrato da França politicamente corrompida, dividida entre a fúria da extrema-direita e a fúria da extrema-esquerda – ambas vistas com o mesmo distanciamento. Algumas discussões surgem de modo acessório na trama, como o diálogo sobre política em uma festa, mas a maior parte das cenas incorpora de modo orgânico o questionamento sobre a imigração. A excelente Dominique Blanc, interpretando a professora real Murielle Gagnebin, fornece um pouco de esperança quanto à convivência pacífica das diferenças em solo europeu.
Entretanto, entre os radicalismos parece não existir nada além de Lina, que aceita silenciosamente qualquer ajuda que lhe forneçam. Manal Issa, uma atriz natural em cena, efetua uma construção inesperada da protagonista, ora tímida e cheia de freios sociais, ora impulsiva e sorridente. Pode-se argumentar que pessoas reais também são inconstantes e cheias de contradições, mas torna-se difícil definir o relevo psicológico de Lina para além do determinismo de suas origens. Apesar de uma série de cenas deslocadas ou mal executadas (a paixão rápida demais de Rafaël, o fim do trabalho de Lina como corretora de imóveis), este filme ainda demonstra uma real ambição estética e política, além de uma cineasta com potencial para voos mais altos.
Filme visto online no My French Film Festival 2017.