J.C. Chandor é um diretor que demonstra uma maturidade narrativa bastante interessante em todos os seus filmes até o momento. Sempre na perspectiva ética de um sistema que foge ao controle humano e independe das ações que as pessoas tomam para tentar evitar determinado acontecimento. Em “O Ano Mais Violento / A Most Violent Year” (2014) ele utiliza uma analogia com a máfia, para continuar sua dissecação sobre a moral e os comportamentos sociais e pessoais, em situações extremas.
“Margin Call - O Dia Antes do Fim” (2011), discutia o conjunto de fatores que culminaram na crise financeira de 2008. O diferencial do filme de estreia do diretor, era não retratar todos os personagens envolvidos, como capitalistas inescrupulosos e estereotipados. Ainda que a maioria deles, no fim das contas, como a maior parte das pessoas, importavam-se mais com seus empregos do que com o dano que iam causar aos clientes. Porém, ficava claro, que por mais que eles tentassem algo, no fim das contas, não tinham como evitar o colapso, pois o sistema já havia se tornado incontrolável. Seu elenco contava com atores qualificados, como Kevin Spacey, Jeremy Irons, Stanley Tucci, Demi Moore, Paul Bettany e Zachary Quinto.
Em outra análise do comportamento humano, “Até o fim / All Is Lost” (2013) acompanhava um velejador solitário em um barco, enfrentando a fúria da natureza, onde por mais preparo que ele tivesse para a viagem, nunca era o suficiente para escapar à cólera do mar. Não é qualquer diretor que consegue filmar um ator sozinho durante um longa-metragem inteiro e manter a atenção do público até o final. Além disso, apesar de o personagem não emitir mais do que alguns gemidos de dor, o longa consegue comunicar muito para os espectadores mais atentos, fazendo-nos questionar o que levou o navegador àquela jornada. Seu maior mérito foi utilizar toda a experiência e o peso de interpretação dramática de Robert Redford, pois a obra não funcionaria com um ator menos “calejado”.
Em O Ano Mais Violento, o personagem Abel Morales (Oscar Issac) é um empresário do ramo petrolífero, que tenta administrar seus negócios da maneira mais “legal” possível. Após alguns anos no comando da empresa herdada do sogro, um “ex-gangster”, transformou-a num empreendimento bem sucedido e lucrativo. No ano de 1981 ele tenciona dar um passo ousado ao adquirir um depósito de combustíveis pertencente a judeus ortodoxos, localizado em um porto da cidade de Nova York. Tudo parece dar errado, quando seus caminhões tanque começam a ser sequestrados e seus funcionários ficam assustados, ao ponto de quererem andar armados nas suas entregas. Piorando a situação o banco que iria financiar a sua transação resolve voltar atrás com o empréstimo combinado.
Novamente o diretor foi muito feliz na escalação dos atores. A escolha de Issac que vem se destacando com atuações como a de “Inside Llewyn Davis - Balada de um Homem Comum” (2013) e de Chastain elogiada por “A Hora Mais Escura / Zero Dark Thirty (2012), foi acertada. Papeis que chegaram a ter Javier Bardem e Charlize Theron cotados para interpretá-los. Ainda sobressaem-se David Oyelowo que também esteve muito bem em “Selma - Uma Luta Pela Igualdade” (2014) e Albert Brooks. A fotografia carregada de cores fortes em contraste com ambientes escuros com muitas sombras, reforça a noção de suspense. A neve do cenário remete a frieza dos diálogos e das decisões dos personagens. Estamos sempre esperando algo veemente acontecer, para em seguida nos lembrarmos que a maior parte dos conflitos podem ser resolvidos com uma simples conversa.
Chandor consegue elevar a um nível diferente, um gênero amado por muitos e atribui uma atmosfera realista, que tenta fugir do ciclo de violência física e gráfica. Seus motoristas querem se defender, com o uso de armas de fogo, até sua mulher Anna (Jessica Chastain), como filha de mafioso que é, tenta convencê-lo a contra-atacar. Ele faz tudo o que pode para não fazer as coisas à moda antiga, do jeito ilegal e brutal. Mas, por mais que tente, o discurso da narrativa deixa claro que é impossível ampliar seu poder sem lutar contra alguns concorrentes, ainda que nunca precise matar ou mesmo espancar alguém. Suas armas são apenas a inteligência e a paciência.
Geralmente em filmes que retratam a máfia, a brutalidade é um recurso indispensável para a composição da história. Mas A Most Violent Year apresenta um roteiro que busca desconstruir esta visão. As agressões são mais sugeridas do que demonstradas em tela e nem sempre vem de onde esperamos, mas não torna a narrativa menos feroz. A ambientação na Nova Iork do início dos anos 80 é exatamente para nos dar a dimensão dos tempos em que a história se passa. Apesar de as selvagerias não estarem ocorrendo na tela, já sabemos o que acontece ao redor e deixam os personagens apreensivos, por causa do contexto histórico. Pois foi uma das décadas mais truculentas da cidade, que só melhorou com a polêmica política de tolerância zero do prefeito Rudolph Giuliani, no início dos anos 90.
O “herói” de O Ano Mais Violento segue uma jornada onde ilusoriamente almeja vencer sem trapacear, mas descobre que não é possível ganhar um jogo onde todos escondem cartas nas mangas, sem criar seus próprios truques. E é na ingenuidade de Abel Morales contrastada com a esposa e o promotor de justiça Lawrence, interpretado por Oyelowo, que entendemos a construção do seu caráter. De acordo com a mulher, ele não é duro o suficiente para alcançar seus objetivos e conforme o promotor seus negócios não são ilibados como Morales afirma. Através destes embates é que ele vai descobrir quem realmente é e do que é capaz para alcançar seu intento. No fim ainda que ele não se utilize de recursos fisicamente violentos, já não se sabe mais se ele é menos inescrupuloso que seus concorrentes, na busca do seu “Sonho Americano”.
É uma lástima que o filme tenha sido subestimado pelo grande público e não tenha conseguido pagar seu custo com a bilheteria dos cinemas. Foi também esnobado pelo Oscar, apesar de ter recebido prêmios em festivais como o Spirit e o Gotham e uma indicação no Globo de Ouro para a atriz principal. Mas, não se deixe enganar, pois é um suspense policial instigante que surpreende pelo esmero, a qualidade e merece ser assistido e divulgado.