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    One Zero One - The Story of Cybersissy & Baybjane
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    One Zero One - The Story of Cybersissy & Baybjane

    Elogio da diferença

    por Bruno Carmelo

    Este documentário gira em torno de dois personagens: Antoine, um artista com cerca de quarenta anos, obeso e vítima de graves crises psicóticas, e Mourad, um artista de origem magrebina, vítima de nanismo, sem um olho, com deformidades nos dedos, quadril e outras partes do corpo. Juntos, eles fazem performances grotescas e hilárias como drag queens em casas noturnas.

    Seria muito fácil imaginar estas duas figuras atípicas tratadas como atrações de circo, no melhor estilo tele-realidade. Pense nos closes que a câmera poderia fazer em nos dedos disformes, nos depoimentos lacrimejantes de um membro da família ou nas imagens das crises psicóticas de Antoine. Seria impressionante, catártico, emotivo, mas também desrespeitoso com estes dois indivíduos. Felizmente, One Zero One – The Story of Cibersissy and Baybjane está muito mais interessado em retratá-los como artistas.

    Ao invés de fingir que esses dois seres humanos são idênticos aos outros (basta colocá-los ao lado dos rapazes musculosos das casas noturnas para ver que não são), o diretor Tim Lienhard prefere examinar o que essa diferença traz em suas trajetórias artísticas. O procedimento funciona como uma ideologia de discriminação positiva, tão em voga nas democracias europeias: ao invés de fingir que não está prestando atenção à diferença – algo que muitos pais ensinam às crianças, como sinal de respeito – o diretor observa-as com atenção e distanciamento, para saber como melhor lidar com elas. A discriminação positiva observa a diferença com atenção não para caricaturá-la, e sim compreendê-la.

    Contribui muito ao projeto o fato de Antoine e Mourad serem sujeitos ativos do filme, com voz própria e uma surpreendente lucidez sobre suas condições físicas e psicológicas. “As pessoas adoram ficar perto de mim, porque elas se sentem belas ao lado de um homem feio”, diz Antoine. “As pessoas sempre olharam para mim, a vida inteira. Não posso fingir ser normal, não dá. Por isso decidi usar meu corpo a meu favor. Eu sou uma escultura”, diz Mourad. Assim como os entrevistados, o cineasta evita as cenas dos bastidores (nada sobre a vida amorosa, pouca informação sobre a família) para se concentrar no essencial: as performances dos dois.

    Os shows de Cibersissy (Antoine) e BayBjane (Mourad) mostrados no documentário são interessantíssimos, porque encenados dentro de castelos clássicos, brancos, iluminados. Os números com vaginas pegando fogo, globos oculares literalmente saltando das órbitas e tecidos ocupando toda a cabeça entram em contraponto com a beleza convencional do mármore, das colunas e escadas em estilo tradicional. É como assistir à apresentação de uma banda punk na Capela Sistina: o choque funciona para ressaltar as diferenças, e os valores, do artista e do local que o acolhe.

    Por fim, One Zero One – The Story of Cibersissy e BayBjane não mostra a trajetória politicamente correta de “dois deficientes que superaram os obstáculos e se integraram socialmente”, e sim de dois deficientes que decidiram usar suas deficiências como expressão artística e identitária. Esta também é uma forma de viver, e celebrar, a diferença.

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