A idealização de um amor é algo que acaba sendo recorrente na vida de muitas pessoas – o tempo que perdemos ao imaginar (ou fantasiar) uma relação que seria “perfeita” pode ser justamente o período que perdemos algumas oportunidades reais – mas o que Um Instante de Amor se difere de outros longas que tratam de assuntos semelhantes, é justamente a forma como foca na personalidade multidimensional de sua protagonista, Gabrielle, vivida excepcionalmente pela talentosa Marion Cotillard (Aliados, A Origem, Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge).
O filme conta a história da moça, no interior da França, poucos anos após o fim da segunda guerra mundial. Filha de fazendeiros, Gabrielle acaba tendo uma grande decepção amorosa, ao se apaixonar por um professor casado, o que a leva a uma depressão, confundida com suas terríveis cólicas renais (por isso o titulo original, “Mal de Pedras”), fazendo sua mãe (Rouan) acreditar que ela precise se casar – ao invés de tentar realmente tratar do problema da filha. Para não ir para um hospício, Gabrielle aceita se casar com o pedreiro José (Brendemuhl) – obviamente arranjado pela mãe da moça. Sem demonstrar um mínimo de interesse pelo marido, Gabrielle acaba conhecendo o militar André (Garrel), em tratamento em um instituto de cuidado a doenças do tipo – não leva muito tempo para que iniciem um caso amoroso.
Marion e a criação de personagem do roteiro co-escrito pela diretora (baseado em um livro de Milena Agus) são inteligentes em tratar as mudanças de comportamento de Gabrielle de uma forma que a deixa como uma injustiçada pela família e, ao mesmo tempo, uma mulher fria e egoísta com relação ao seu marido José. Situações que refletem uma abordagem machista que a sociedade mantém sobre as mulheres – mesmo sendo injusta com o esforçado e educado José – em atuação contida e bem articulada de Alex Brendemuhl – Gabrielle não é obrigada a amar ninguém que não tenha interesse, é claro. E o retrato de como sua mãe prefere apenas arrumar um marido para sua filha a fim de evitar sua má fama, já que isso iria contra os princípios católicos e conservadores da família, mostra muito bem como religião e conservadorismo podem ser coisas perigosas às vezes.
A diretora também é feliz ao mostrar o sexo entre Gabrielle e José como algo artificial e forçado, para depois ressaltar a delicadeza e prazer da relação com André ou até mesmo na forma como Gabrielle tenta criar seu filho depois, forçando o garoto a tocar piano como André tocava, por exemplo – tudo envolto com uma direção de fotografia muito bonita, ressaltando muito bem cores quentes – compatíveis com o desejo sexual aflorado da personagem de Marion – que, de fato, é o destaque do filme, justamente por demonstrar tudo isso de uma maneira convincente e sem exageros – sua sensualidade exprime bem a forma como a sociedade reprime os desejos sexuais das mulheres, em muitos casos.
Contando com um plot twist curioso – mesmo que um tanto absurdo – que acaba funcionando para amarrar as questões sobre as idealizações do amor na mente de uma pessoa, Um Instante de Amor é uma obra bonita e bem realçada por sentimentos autênticos, jamais caindo em uma superficialidade ou apelando para soluções dramáticas obvias.