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    A Conexão Francesa
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    A Conexão Francesa

    A soma de todas as máfias

    por Bruno Carmelo

    A primeira cena de A Conexão Francesa apresenta de modo sucinto o conflito principal, o herói e o bandido. Estamos no sul da França, nos anos 1970. A dupla central é formada pelo mafioso Gaëtan Zampa (Gilles Lellouche) e pelo juiz Pierre Michel (Jean Dujardin), que dedica muitos anos de sua vida a desmontar o esquema criminoso. O primeiro é muito malvado – ele tortura os empregados ineficazes – enquanto o segundo é muito generoso – ele ajuda jovens viciados em droga, após ter sobrevivido ele mesmo ao vício. A sequência inicial aproveita para lembrar que as drogas são nocivas e que Zampa mete medo até nos investigadores. “Quem ousaria dizer o seu nome?”, conclui um policial.

    A sutileza não é o forte dessa história biográfica, adaptada anteriormente nos cinemas em clássicos como Operação França. Desta vez, o diretor Cédric Jimenez está menos interessado no realismo dos fatos do que na quantidade de atos de bravura, frases de efeito e momentos de espetáculo que consegue embutir em 135 minutos. Este é um filme de ação, não apenas por possuir dezenas de perseguições, tiros e explosões, mas por se desenvolver em uma sucessão de reviravoltas: não se sabe muito bem como Pierre faz todas as suas descobertas, mas cada cena traz uma nova apreensão, um novo bandido encarcerado.

    Estamos no imperativo do movimento: a câmera corre, desliza, corta rápido, enquanto os personagens saltam, pulam, se escondem. Não há silêncio ou reflexão: tudo precisa ser explicitado ao público. Pela ambição do projeto, A Conexão Francesa só poderia funcionar com uma produção imensa, e de fato, este foi o maior orçamento do cinema francês em 2014, numa cinematografia que produz mais de 300 títulos por ano. Por isso, todos os elementos do espetáculo estão presentes: dezenas de cenários paradisíacos, atores coadjuvantes prestigiosos, figurinos e cenários de época cuidadosamente reconstruídos.

    O resultado deve agradar à maioria dos fãs do gênero, embora a megalomania sabote a potência da narrativa. A ação é tão insistente e as frases de efeito são tão exageradas que Jimenez se aproxima da paródia, tanto dos filmes de gângsteres quanto dos faroestes, com direito a duelos ao pôr do sol. Os numerosos clichês transformam o resultado numa espécie de super filme, uma produção inchada almejando funcionar como a síntese de todas as outras obras do gênero. Não falta nenhum elemento, nenhuma passagem clássica. Talvez, justamente por isso, o resultado seja tão carente de personalidade.

    O lançamento do filme no Brasil pode beneficiar do culto aos juízes heróis, em voga nos últimos anos. A história investe nessa figura justiceira, mesmo que eticamente contestável – Pierre forja provas para prender as pessoas que lhe interessam – que tem feito a alegria de uma parcela da população brasileira. A caracterização do protagonista é tão maniqueísta que Pierre chega a ser dotado de qualidades sobre-humanas: ele está sempre no lugar certo, na hora certa, enxergando ações que ninguém mais vê, esbanjando um senso de caráter inviolável. Pierre é um raro juiz que, por não acreditar no funcionamento das leis, arregaça das mangas do paletó, empunha um revólver e recorre à justiça com as próprias mãos.

    A conclusão de A Conexão Francesa consegue ser ainda mais colorida, mais heroica, mais brilhosa em termos estéticos. Raramente se vê no cinema uma sobreposição de duas canções distintas, mas a trilha sonora consegue embutir duas músicas altas, tocando juntas, para coroar o desfecho. O resultado é kitsch, mas funciona como a cereja do bolo de um projeto pensado para ser uma obra de referência – uma espécie de Poderoso Chefão francês. O filme pode despertar a sensação de saciedade, por trazer tantas cenas, tiros e lições de moral na mesma sessão. Mas ele também pode vencer o espectador pelo cansaço.

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